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Rispidez Judiciária – Sinal dos tempos

    A implantação da informática na comunicação entre o Poder Judiciário e o povo, o primeiro representado por magistrados, o segundo por advogados bem ou mal preparados, trouxe imensas preocupações. Em primeiro plano, o país está superlotado de conflitos, resolvendo-se estes na magistratura de primeiro grau ou nos tribunais. Em segundo lugar, as regras de procedimento são múltiplas, dificultando a tramitação dos embates, notando-se que a competência penal é aquela que mais exige a atenção dos juristas, porque tudo se resolve, no fim das contas, na manutenção da liberdade ou no cárcere, ressalvadas as exceções de estilo. As variações trazidas pela internet são trágicas, porque o povo não se conforma com a demora na inflição de penas àqueles processados, por exemplo, na denominada operação “lava jato”. No fim, ressalvados os réus, todos têm pressa, usando-se a internet na maior parte da relação dos censores com os perseguidos. É um faz-de-conta tragicômico, pois a modernidade leva a presumir, ficticiamente, que as intimações, notificações e quejandos cheguem a conhecimento dos processados. Isso é ridículo, se doloroso não for. Partindo-se do pressuposto de que 75% dos nossos presos são constituídos por negros, mulatos e desprotegidos pela sorte, em geral, começa a ser engraçado achar que conheçam, tais réus, os meandros da computação, ou das senhas eletrônicas, conseguindo, então, chegar à Suprema Corte numa disputa qualquer pela abertura das grades. Que coisa horrível! Entretanto, a natureza política da necessidade de solução leva juízes a fecharem os olhos, num fingimento atroz. Vez por outra, um Tribunal Regional tem a culpa despertada a poder da conscientização do problema. Procede-se, então, a uma varredura nas cadeias, chegando-se à libertação de muitos e muitos. Entretanto, a rotina é outra: quem não tem advogado razoavelmente sabido vai apodrecer no cimento do cárcere. Não é preciso caprichar muito no raciocínio, bastando saber que a chegança a um Tribunal que inadmita processo físico só pode ser feita com muita sofisticação, havendo manobras e manobras para enganar o sistema, inclusive, quando a documentação extrapola os limites permitidos. Mas não é só. A Justiça ficou ríspida, dura e seca. As intimações vêm, muita vez, com puro e simples apontamento da página do processo contendo o despacho judicial. É como se o jurisdicionado fosse um escravo do rei, devedor sim, mas sem a possibilidade de exigir a recíproca. Tem-se a impressão, à chegança de determinações judiciais, de que a parte intimanda vai ser presa a qualquer momento, ou ofendida na sua dignidade, porque não há respeito algum pelos peticionários. Os advogados, de seu lado, se acovardam, porque se põe em vigor a norma concernente a não se tratar mal o juiz, pois este permanece no foro enquanto o cliente se vai. Note-se, por fim, que o sistema de comunicação inaugurado e funcionando via internet é preguiçoso, é defeituoso, é desatento aos prazos em curso, angustiando terrivelmente os membros da chamada cidadania. Isso faz parte, é claro, das garantias e direitos individuais, mas é, seguramente, o menor problema, porque os maiores obstáculos aos mandamentos postos na Constituição se colocam na violação da privacidade do povo, aquele mesmo povo que deveria estar tentando respirar as liberdades democráticas, mas que é furtado aqui e ali nos impostos extorsivos, na invasão dos domicílios e na catação das poucas panelas que o cidadão consegue guardar embaixo da sua cama. Dir-se-á que o Brasil vai bem, pois enfrenta desabridamente a corrupção existente. Iria bem, sim, se o Estado cumprisse suas obrigações, garantindo a saúde pública, a educação e a integridade dos comunheiros. Em outros termos, o Estado, ficção jurídica sim, mas com existência pluralizada, toma e não devolve, subtrai e não é punido, escraviza e não tem quem o faça respeitar os direitos do cidadão. No meio disso, os ladrões presos, ou aqueles presos que ainda ladrões não são, pois condenados não foram, servem de expiação, porque o pobre, o desvalido, o favelado, o morador nas palafitas, precisam atirar os ovos podres em alguém (ovos não, porque podem ser ingeridos), mas precisam ferir os bandidos com os pedregulhos encontrados na rua. Assim, os acusados de fraude, monstruosa por certo, servem de desaguadouro de todas as frustrações dos miseráveis. Com razão ou sem razão, é assim, acentuando-se que muitos clamam pelo retorno ao militarismo, seja porque sequer haviam nascido naquela época, seja por falta de informação respeitante àquele tempo nauseabundo. Poucos são os sobreviventes do período, mas uns e outros conhecem bem o que houve e procuram, inclusive, não se lembrar daquilo.

    Já se vê que o cronista começa a falar do Judiciário, analisa a desumanidade dos atos de comunicação com a cidadania, toca na desigualdade entre o preso pobre e o preso rico e, no fim de tudo, parece estar falando mal do cidadão. Parta-se, aqui, para uma observação sadicamente triste: o povo não quer saber quem está a tomar assento no trono, desde que receba vestuário, alimento, remédio e educação. Dentro do contexto, qualquer tirano é bom, se propiciar o bife e a batata frita. O resto é resto. Não importa que seja a Dilma ou outro qualquer. O faminto quer respeito a seu ventre vazio. Entretanto, angelicalmente, quem sabe, mostra-se ao povo a ferida produzida pelo azorrague nas costas do bandido, mas falta a farinha do mesmo jeito. Que lástima… Beba-se o sangue do seviciado pelo chicote do salvador da pátria, esperando-se que o suco vermelho mate a sede da brasilidade, de repente, dá certo. Ponto final.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e seis anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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