Home » Crônicas Esparsas » Canções de Natal Ou “A ética do carcereiro”

Canções de Natal Ou “A ética do carcereiro”

Paulo Sérgio Leite Fernandes

        Os letrados não costumam separar-se dos livros durante as férias. É costume, ou compulsão. Ficam, normalmente, em dúvida angustiada sobre o que devem levar.  Se a viagem for marítima é mais fácil, pois bagagem anormal não faz peso. Aliás, sempre que pensa nisso, o cronista relembra o filme “Titanic”. A família endinheirada embarcando com aquelas malas enormes, verdadeiros armários de porta dupla e espelho lá dentro, suficientes a abrigar roupa de gala e até o corpo de alguém…

         O avião limita as escolhas. É preciso, então, muita prudência. Não uma literatura pesada em volume e enredo. Alguma história bem leve como “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, ou “Os Três Porquinhos”, divulgado por Joseph Jacobs, embora se diga que a fábula é mais antiga. O cronista se lembra mais ou menos das duas histórias. “Alice” é um sonho. No meio deste, aparece um chapeleiro maluco aprontando bastante. Já em “Os Três Porquinhos”, existe um lobo mau derrubando as casinhas que eles constroem.

         Veja-se como funciona a associação livre de ideias: começo com o “Titanic”, passo ao peso dos livros, penso no “Crime da Mala”, vou às recordações da infância com a chapeuzinho e o lobo mau e assim por diante. Falando em lobo, aparece na cabeça canção em que o animal é bobo. É de João Gilberto, talvez, mas não vou procurar no “Google”. Atrapalha tudo.

         No fim das contas, escolhendo os livros, fico mesmo no “Chapeuzinho Vermelho”. Eu cantava aquilo para os filhos, enquanto pequenos. Paula, hoje Procuradora da República competente, Geórgia, antes autora respeitada na ciência penal (atualmente quase médica veterinária) e Gustavo Bayer, ator amadurecido na arte, ouviam com atenção, Paula meio desconfiada mas cantarolando: “Pela estada a fora, eu vou bem contente, levar este bolo para a avozinha, ela mora longe, o caminho é deserto, e o lobo mau está aqui, por perto.”

         Para fim de conversa, é melhor mesmo relembrar “Chapeuzinho” e “Os Três Porquinhos”.

         É muito ruim infelicitar as festas de natal e o novo ano com a análise das travessuras das delações premiadas e das leniências.  Aqui, para alguns, Papai Noel chega com uma tornozeleira eletrônica e pesando nas canelas, ou a promessa de um semi-aberto no dia 1º de 2016. Restam na prisão alguns teimosos, corajosos é certo, por desafiarem o sistema e resistirem ao constrangimento imposto. Na verdade, a obstinação é uma questão de princípio. Tem mais ética o reagente que o carcereiro…

Deixe um comentário, se quiser.

E