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A condução debaixo de vara

(Roberto Delmanto)

            Até a promulgação do atual Código de Processo Penal em 1941, cada Unidade da Federação tinha seu próprio Código. As leis processuais penais eram regionais, não tendo abrangência nacional.

            O Código vigente, inúmeras vezes reformado, vale, portanto, para todo o país, gerando uma desejável uniformidade e a consequente segurança jurídica.

            Entre os dispositivos processuais que garantem a prestação jurisdicional, encontra-se o art. 218, que prevê a condução coercitiva da testemunha renitente. Se ela, pessoalmente intimada, deixar injustificadamente de comparecer a um depoimento policial ou judicial, poderá ser obrigada a fazê-lo, sendo conduzida mediante escolta. Durante o inquérito, através de agente policial; na instrução judicial, por meio de oficial de justiça.

            É o que existia desde o Império, com a condução debaixo de vara. Assim chamada porque o agente ou o oficial ia buscar a testemunha em casa e a levava pelas ruas até o Foro, caminhando atrás dela segurando uma varinha sobre a sua cabeça. Ou seja, simbolizando que se desobedecesse ou tentasse fugir, a varinha lhe atingiria…

            Desde há muito, por óbvio, não se usa mais tal varinha, ofensiva à dignidade do conduzido, mas a condução coercitiva continua a ser indispensável.

            Com efeito, se as testemunhas de um fato se negam a comparecer e prestar depoimento, dizendo o que sabem ou não sabem, o processo penal não terá andamento, nem atingirá seu objetivo maior: a busca da verdade material ou real.

            Como deixa claro o referido art. 218, ele só se aplica às testemunhas, sejam de acusação, de defesa ou por elas referidas, chamadas a depor. Não se aplica aos acusados, indiciados, investigados ou suspeitos.

            Estes têm a garantia constitucional de permanecer em silêncio e, em decorrência, o milenar direito de não se auto-incriminar, ou seja, de não fazer prova contra si mesmo. Não precisam depor, submeter-se a reconhecimento pessoal, fornecer material grafotécnico, amostra de sangue ou para DNA, ou ainda submeter-se ao bafômetro. Não necessitam sequer comparecer às audiências ou ao julgamento pelo júri, bastando estarem representados por advogado.

            Mas, absurdamente, a lei processual penal não tem sido respeitada em todo país. Em um Estado do Sul onde correm processos e inquéritos de repercussão nacional, segundo fortemente noticiado, pessoas vêm sendo conduzidas coercitivamente de forma duplamente ilegal.

            A uma, porque muitas vezes não são testemunhas, mas acusados, indiciados, suspeitos ou investigados.

            A duas, porque, mesmo quando são testemunhas, jamais se negaram a atender a qualquer intimação. Ao invés de serem regularmente intimadas, são de imediato conduzidas.

            Patente a coação ilegal, nulas serão as declarações prestadas nessas condições.

            Estaremos caminhando para a volta dos antigos Processos Penais Estaduais? Mas, para tanto, além de inegável retrocesso, seria imprescindível uma alteração legal e constitucional. Não bastando, à evidência, uma decisão judicial desprovida de qualquer amparo jurídico.

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