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O impedimento de Dilma Rousseff

(A história é curta)

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Hoje é 11 de abril de 2016. São 10 horas. Vota-se o prosseguimento ou não do “impeachment” da Presidente da República. O cheiro é ruim (muitos diriam que é bom). Aquilo vai ao plenário, com maioria pelo sacrifício. Outra batalha à frente. Não há um só órgão de imprensa, no Brasil, dando suporte à moça. Já se lhe pediu renúncia. Ela recusou. Prossegue hirsuta, sempre bem penteada, lendo discursos preparados por outros. Às vezes, finge que vai dizer coisa séria. Hesita para lembrar, mas traz pouca novidade. Até sessenta dias atrás, pedalava em volta do palácio. Não é do ramo. Segura mal o guidão e flexiona as pernas com esforço. Mas pedala. Vai em frente, forma prática de dizer que não abandona a briga. Há de sair, mas sai ereta. Não se fala da quase menina que teria restado três anos no calabouço da ditadura. Viu-se-lhe a fotografia na documentação oficial. Uma jovenzinha que não abaixava o olhar enquanto submetida à lente pornográfica do beleguim. Lá atrás, se esfinge houvesse, alguém lhe diria que a prisão era preço pequeno a pagar no caminho do estrelato. Dir-lhe-ia também, a pitonisa, que o pedaço de vida curtido no cárcere, as cuspidas e as sevícias dos carrascos, não formariam estrutura adequada à unção da faixa presidencial. Enfim, sofrimento em demasia para o destronamento e a figurativa decapitação de uma outra Maria Antonieta. Sim, pois o povo, neste despontando preferentemente as classes média e alta, empunha a bandeira brasileira, exigindo tempos mais honestos para a pátria.

Não se fale de Luiz Inácio. Este, agora, é pequeno demais para figurar no contexto. Fale-se somente de Dilma Rousseff. Enovelou-se num partido político posto sob suspeita extrema. Beneficiou-se, quem sabe, indiretamente, com doações provindas de delatores confessos, mastigando os intervenientes os chicletes havidos de instrutores estrangeiros. Funcionou assim. A Presidente, como se diz na gíria popular, “vai pro chapéu”, tudo sob as câmeras e holofotes brandidos por dezenas de jornalistas ávidos de testemunhar a derrota. Entenda-se bem: quem peca merece castigo. Atos meritórios pedem recompensa. Assim, quando o povo sai às ruas e insulta (a expressão é esta) a líder decadente, já é uma forma de punição. Mas é só o começo. Depois, conforme regras não muito mutáveis, a vencida é entregue ao circo. De um lado os leões, de outro as hienas. No areópago, os homens bons, todos cientes e conscientes de que se fez justiça. Isso vai demorar, mas acontecerá, certamente, porque a prerrogativa se desfaz. Então, despindo-se a toga protetora, vai a Ré à vala comum. Isso vai acontecer.

A vala comum é a justiça de 1º grau, preservada, quem sabe, a competência daquele que, manto sagrado posto sobre os ombros, faz o papel, aliás não original, de salvador da moral e da decência da nação. O corolário dos acontecimentos se põe no Senado. Evandro Lins e Silva, de santa memória, cassado no Supremo Tribunal Federal enquanto os coturnos da ditadura sujavam o chão daquela Corte, escreveu livro não muito famoso, mas representativo: “O salão dos passos perdidos”. Referia-se ao júri. Não se sabe bem qual a relação entre o título e as duas casas maiores da República (Senado e Supremo Tribunal). Entretanto, uma consequência é certa: Dilma Rousseff, nossa Maria Antonieta, há de transitar pela passarela em fabulação, espécie de ponte dos suspiros (respeitadas as diferenças, tocante à primeira, à segunda, ao local e à origem), a caminho da degola. Antigamente, em séculos não muito longínquos, não se permitia enforcamento dos nobres. Morriam pelo machado ou espada (Às vezes pela guilhotina). Aqui, o privilégio persiste, em termos: vai-se a Presidente e o corpo é entregue ao populacho raivoso.

Afirma-se que Maria, a Antonieta, cientificada dos anseios da cidadania francesa, teria dito: “Ao povo, os brioches”. É mentira. Mas Dilma poderia dizer, mais tarde: em casa onde falta o pão, todo mundo briga e ninguém tem razão. La nave va[1].

 


[1] Criminalistas são românticos. De repente ela escapa.

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