Grampeamento de telefones
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Grampeamento de telefones
(Ou “Quem pariu a tia que a crie”)
Há alguns anos, enquanto dirigia o “Jornal do Advogado”, fiz uma edição inteira sobre a interceptação telefônica. As páginas levavam, no canto direito, o desenho de uma orelha presa com um grampo. Pretendia-se, com aquilo, criar uma espécie de logotipo lembrando o horror da espionagem eletrônica. Lembro-me de que tecia comentários, no editorial, sobre o feio papel de juízes, promotores e policiais que se ajoelhavam, simbolicamente, arregaçando as togas, para espionar o que se passava dentro das casas dos investigados. Coisa muito feia sim, prevista em lei mas ilegalmente concretizada na grande maioria das oportunidades, a espionagem eletrônica foi oficialmente admitida a partir de legislação cuja origem (estudos preliminares, anteprojetos etc) proveio de São Paulo. Depois daquilo, paulatinamente, a espionagem acústica assumiu forma compulsiva. Não só a arte de ouvir disfarçadamente, veja-se bem, mas seu complemento, ou seja, o visual, tomaram conta do relacionamento entre o brasileiro, individualmente considerado, e o meio circundante. Virou uma horrível feitiçaria em que não se deixou espaço para a solidão. Havia beleguins, munidos de aparelhos apreendidos, encostados em “Kombis” postadas nas esquinas, violentando segredo de comunicações verbais ou telefônicas, sabendo-se, hoje., que nem mesmo os computadores resistem ao tresmalhamento de informações. Podem ser abertos de países distantes, preservando-se a origem do grampeamento.
Não há surpresa, portanto, no episódio envolvendo Roseana Sarney e a apreensão de documentos na sede da “Lunus”. Há “Arapongonas” (grandes arapongas?) obrigatoriamente metidas nisso: espionagem e contra-espionagem, tudo à moda do “James Bonde” brasileiro. O chefe do espiolhamento oficial é parente do Presidente da República. Não pode, a “inteligência” do Palácio, executar metodicamente as tarefas de varredura. Contrata-se, então, uma agência particular, sem licitação. O argumento é Felliniano: Se houver licitação, todo mundo fica sabendo dos serviços encomendados. Concorrentes desonestos oferecem preço mais baixo e vendem a informação a terceiros. Logo, a contratação deve ser feita em segredo. Nunca se viu justificativa mais doida. É explicação que não impressionaria um promotor de justiça recém-entrado na carreira. Além disso, qualquer estudante de Direito em Faculdade premiada com nota “E” no Provão, mas que ainda coloca analfabetos no mercado de trabalho sob as vistas benevolentes do Ministro Paulo Renato, daria parecer afirmando que se isso acontecesse no município de Jurubeba o Prefeito ficaria em péssimos lençóis, por evidente intromissão nos severíssimos dispositivos da Lei de Licitações. Consta, entretanto, que o dono da empresa contratada já atuou no antigo SNI, tendo, portanto, notória especialidade. Seus serviços abarcam o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, Ministérios diversos e, é claro, a Presidência da República. Infantil seria, na hipótese, quem se atrevesse a afirmar que a atividade encomendada foi a simples varredura. Quem usa a vassoura é tentado a espiar o que ocorre no vão das portas. Sempre foi assim, desde o aparecimento da primeira empregada doméstica ou criado de quarto, ou serviçal. O patrão sempre pede um serviço extra (e depois paga caro, a exemplo daquele que se vingou, escrevendo um livro sobre um Lord inglês).
Não gosto de políticos. Meu pai dizia que político honesto, se eleito fosse, teria imensa dificuldade em se manter depois. Assim, as siglas, coligações, situações e adminículos outros terminando em “ões” não me entusiasmam. Não se diga, portanto, que aqui deste humilde “site”, lido por muito poucos, esteja a tentar proselitismo. Não gosto de Fernando Henrique Cardoso, I e único, Rei do Brasil. Pisgo-me para o Serra, tenho más lembranças da presidência do Sarney , só não desmereço o Ciro Gomes por causa da mulher, Patrícia Pillar (moça corajosa, certamente) e tenho medo do que Lula pode encontrar se eleito. No começo, achava que a esquerda trazia uma dose perebenta de totalitarismo. Vejo, agora, que ela e a direita vêm bailando a mesma valsa, unindo-se paradoxalmente em abraço apertado. Como se vê, tenho todos os atributos para falar mal do esmiuçamento no guarda-roupa da empresa da moça Roseana. Episódio sujo, não em razão do mandado de busca, levado a cumprimento à moda do período autoritário, mas dos óbvios antecedentes de grampeamento dos meios de comunicação da família. Nessa medida, Richelieu vira bandido, o rei se transforma em fornicador de segredos alheios, e o médico da família, já que não é diplomado, vira enfermeira de mentira tirando a pressão dos passantes no Viaduto do Chá. No entretempo, Fernando I e único, rei do Brasil, atribui a espionagem a “tricas e futricas”. Futrica, realmente, é a especialidade da tia esperta, sentada na cadeira de balanço, recolhendo as mazelas e segredos da vizinhança. Portanto, quem pariu a tia que a crie.
* Advogado criminalista em São Paulo há quarenta e dois anos e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.