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Lembrando Brecht

Roberto Delmanto

 

                        Ao lado dos direitos individuais insculpidos na Constituição da República, o Código de Processo Penal constitui um diploma de garantias do cidadão contra o arbítrio do poder estatal. Ambos, como já se disse, são o termômetro da maior ou menor civilidade de um povo.

                        Entre esses direitos está o de toda testemunha ser regularmente intimada para depor.

                        Nesse sentido, dispõe expressamente  o artigo 218 da lei adjetiva penal:

Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

                        Ou seja, a testemunha só poderá ser conduzida coercitivamente (debaixo de vara, como se dizia no passado), caso não justifique a razão de sua ausência.

                        Já o suspeito, investigado, indiciado ou acusado não tem sequer a obrigação de atender ao chamamento policial ou judicial, em face do direito ao silêncio constitucionalmente garantido (CF, artigo 5º, LVIII), decorrente do secular princípio de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo ( nemo tenetur se detegere).

                        Na Operação Lava-Jato, desrespeitando a lei, passou-se a conduzir coercitivamente testemunhas ou investigados sem qualquer prévia intimação.

                        A flagrante ilegalidade caracteriza crime de abuso de autoridade previsto no artigo 3º, a (“atentado à liberdade de locomoção”) e 4º, a (“ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”) da Lei nº 4.898/65.

                        Além de sanções administrativas e civis, as de natureza penal (art. 6º, § 3º) previstas nessa lei são as de (a) multa, (b) detenção por 10 (dez) dias a 6 (seis) meses e (c) perda de cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até 3 (três) anos, penas estas que poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente ( §4º).

                        A ação penal para os crimes de abuso de autoridade é pública incondicionada, por força da Lei nº 5.249/67. E as declarações prestadas pelas vítimas desses delitos são nulas de pleno direito.

                        Aplaudidas pela população e enaltecidas pela mídia como imprescindíveis no combate à corrupção, as ilegais conduções coercitivas se multiplicaram na referida Operação.

                        Não tendo tais abusos sido coarctados por nossos Tribunais, inclusive Superiores, ou pelo Conselho Nacional de Justiça, eles proliferaram e proliferam em outros juízos criminais de vários Estados e do Distrito Federal.

                        Vez ou outra há um estrépito maior por se tratar de pessoa ocupante ou ex-ocupante de cargo público importante, ou de cidadão com atuação de destaque na área empresarial. Fora isso, o silêncio só é rompido pelo protesto dos defensores, cujas vozes ecoam no deserto…

                        Até quando irão tais arbitrariedades, bem como quantas outras poderão surgir, não sabemos.

                        Mas seria bom que lembrássemos o poema Intertexto, de  Bertold Brecht:

 

“Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro.

Em seguida  levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis

Mas eu não me importei com isso

Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei.

Agora estão me levando

Mas já é tarde

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.”

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