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Da solitária francesa ao RDD brasileiro.

Roberto Delmanto.

 

                Na Idade Média, as prisões européias eram verdadeiros calabouços, com os presos submetidos às piores condições: grande superlotação, absoluta falta de higiene, luz e insolação de todo insuficientes, doentes misturados a sadios, jovens com adultos, primários no meio de reincidentes, em total promiscuidade.  Como escrito na “Porta do Inferno” de Dante Alighieri, os que lá entravam deveriam deixar para trás toda esperança…

                Na França, as solitárias tinham o teto com altura bem inferior à média dos homens da época, impedindo que, por um único instante, ficassem eretos. Só foram abolidas pelo rei Luís, depois tornado Santo pela Igreja Católica. O objetivo era apenas punitivo, sem qualquer intuito ou possibilidade de ressocialização. Séculos depois, a maioria dos atuais presídios brasileiros se assemelha tristemente aos medievais: imundos, piores que canis, verdadeiros chiqueiros, dominados por facções criminosas às quais os prisioneiros, principalmente jovens, têm de aderir para sobreviver, autênticas escolas do crime e fábricas de doenças. A perspectiva de recuperação do preso é zero, mesmo porque, com a total falta de apoio ao egresso, a reincidência é quase certa.

                Pior ainda: também temos nossa versão da abominável solitária medieval francesa. Trata-se do famigerado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), introduzido na Lei de Execução Penal pela Lei nº 10.792/2003.

                Através dela, foi alterado o art. 52 da LEP, permitindo esse regime: inc. I: duração máxima de 360 dias, com possibilidade de repetição por igual prazo ou até o limite de 1/6 da pena; inc. II: recolhimento em cédula individual; inc. III: visitas semanais de apenas 2 horas; inc. IV: saída da cela por somente 2 horas diárias para banho de sol.

                Nada ali é permitido: televisão, rádio, jornais, revistas, com exceção de livros selecionados pela direção do presídio.

                Para ingressar no RDD, basta que o preso provisório ou condenado, pratique fato previsto como crime doloso (caput), ou apresente alto risco para a ordem do estabelecimento penal ou da sociedade (§ 1º), ou sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organização criminosa, ou quadrilha ou bando, atual associação criminosa (§ 2º).

                Trata-se, sem dúvida, de uma “máquina de fazer doidos”.

                Com efeito, quem sobreviverá, psicológica ou fisicamente, a tal regime?

                Se porventura sobreviver, terá certamente se transformado em alguém muito pior, mais doente e revoltado do que nunca. E, retornando um dia ao convívio social, se comportará provavelmente como um animal, já que assim o Estado o tratou.

                Será que não existem outras formas de manter a disciplina nas prisões, a começar pela urgente reforma das que a necessitam e da construção de novas unidades, reservando-se as penas privativas de liberdade aos piores delinquentes e ampliando, para os demais, as penas alternativas, inclusive as pecuniárias para os de “colarinho branco”?

                Até quando a consciência jurídica brasileira permitirá a continuidade de um regime tão terrível, ultrajante à dignidade humana e violador da nossa Constituição, que proíbe o tratamento desumano e degradante (art. 5º, inc. III)? Até quando manteremos na porta de nossos presídios a inscrição da desesperança de que nos fala o imortal poeta italiano?

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