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A ANTECIPAÇÃO DA PENA

Roberto Delmanto

 

            No direito criminal do mundo civilizado a pena só pode ser aplicada após o trânsito em julgado do devido processo legal. Entre nós, tais princípios são cláusulas pétreas da Constituição Federal, que não podem ser revogadas por emenda constitucional, mas apenas, em tese, por uma nova Constituinte.

            A primeira delas – da presunção de inocência ou da desconsideração prévia de culpabilidade, como preferia o saudoso mestre Rogério Lauria Tucci -, está prevista no art. 5º, LVII, da Magna Carta; a segunda – do devido processo legal -, no art. 5º, LIV.

            Fora dessa hipótese– devido processo legal + trânsito em julgado – a prisão só poderá ser imposta, em casos excepcionais, como medida cautelar, visando garantir o processo penal. Isto, se não forem cabíveis outras medidas cautelares diversas da privação da liberdade (CPP, art. 319).

            É a chamada prisão provisória, que contempla três modalidades: a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva.

            A prisão em flagrante só terá cabimento se ocorrer uma das situações elencadas no art. 302 do CPP: a pessoa está cometendo a infração penal (inc. I); acaba de cometê-la (inc. II); é perseguida, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser a autora de infração (inc. III), ou, é encontrada, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ela a autora da infração (inc. IV). Deve, todavia, ser relaxada se não estiverem previstos os pressupostos e requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 310).

            A prisão temporária (art. 1º da Lei 7.960/89) terá lugar se for imprescindível para a investigação policial (inciso I), se o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação (inciso II), ou, ainda, se existirem fundadas razões de autoria ou participação em determinados crimes (inciso III).

            Para a saudosa Ada Pellegrini Grinover, além do inciso III, deverão também estar presentes os incisos I ou II (apud ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração”, 2ª Ed., Renovar, p. 155).

            A prisão preventiva encontra-se prevista no art. 312 do CPP, exigindo a presença de dois pressupostos (prova da existência do crime e indícios suficiente de autoria), acrescidos de um destes quatro requisitos: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

            Fora uma dessas Modalidades de prisão provisória (em flagrante, temporária ou preventiva), a prisão antes do trânsito em julgado da condenação será sempre ilegal, a ser sanada por habeas-corpus.

            Bem é verdade que o Supremo Tribunal Federal – que, como já disse um de seus Ministros, acerta e erra por último –, visando diminuir o volume de processos nos Tribunais Superiores, relativizou esse trânsito, permitindo a execução da pena após a condenação ou confirmação dela em Segunda Instância (pelos Tribunais de Justiça ou Regionais Federais), não tendo eventual recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça ou extraordinário para o Supremo efeito suspensivo.

            Parece haver, todavia, uma tendência no Pretório Excelso a diminuir essa relativização, admitindo a execução penal somente depois de decisão do STJ.

            A verdade, entretanto, é que temos presenciado um manifesto abuso na decretação de prisões provisórias ou preventivas sem que estejam presentes seus pressupostos e requisitos, configurando indisfarçável antecipação da pena.

            Para esse estado de coisas tem contribuído a contínua revelação da endêmica corrupção que assola o país, atingindo sua elite econômica e política, e causando justa revolta e indignação na população brasileira, que passa por alto índice de desemprego e grandes dificuldades de sobrevivência.

            Da conjugação de tais fatores – unindo o Judiciário, a imprensa e a opinião pública – a antecipação da pena, mesmo contra legem, recebe o aplauso geral.

            Mas, por representar uma gravíssima involução na aplicação e interpretação de garantias constitucionais, penais e processuais penais duramente conquistadas em décadas, será, sem dúvida, a médio e longo prazo, altamente nociva para o Estado Democrático de Direito e a própria coletividade.

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