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O SORRISO DO CONDENADO

Roberto Delmanto

O Brasil vive um tsunami punitivo. O epicentro foi em Curitiba, mas logo se espalhou por todo o país e quase todas as esferas do Judiciário.

Sua causa foi a descoberta de uma enorme corrupção, de há muito suspeitada, mas cuja real dimensão se desconhecia, envolvendo o Poder Público e grandes empresas.

Incentivados pelo clamor popular, muitas vezes dentro das próprias famílias, e apoiados pela mídia, juízes passam por cima da lei, decretando, sem a presença dos seus pressupostos e requisitos, conduções coercitivas, prisões temporárias e preventivas de investigados, as primeiras hoje proibidas graças a uma liminar do corajoso Ministro Gilmar Mendes.

O objetivo dessas prisões provisórias é quase sempre o de provocar delações premiadas por parte dos detidos.

Por ocasião das sentenças, em geral condenatórias, as penas são das mais exacerbadas, dez, quinze, vinte anos, lembrando o magistrado francês do filme A Corte, conhecido por “le juge deux chiffres” (o juiz dois dígitos), pois nunca dava menos do que dez anos…

Os Tribunais, por sua vez, julgando apelações do M. Público, costumam aumentá-las para mais de vinte e até trinta anos, embora seja este o maior prazo em que uma pessoa pode ficar presa no nosso sistema legal.

Como muitos condenados já têm idade considerável, tais penas convertem-se em verdadeiras prisões perpétuas, apesar de proibidas pela nossa Constituição, lembrando o Portal do Inferno descrito por Dante Alighieri em sua “Divina Comédia”, na qual está escrito: “Vós que aqui entrais, deixar para fora toda esperança”.

O exemplo maior tem sido o do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que responde a mais de vinte processos criminais e já foi condenado a aproximadamente cem anos.

Considerado o inimigo público-político nº1, a imprensa televisiva se compraz em anunciar cada nova denúncia e cada nova condenação, atualizando a somatória das penas.

Sérgio Cabral, como se não bastasse, foi ainda fotografado, como publicado há pouco tempo na revista VEJA, sendo conduzido algemado pelas mãos e pelos pés, com as primeiras também presas à cintura, havendo um leitor que achou pouco em virtude do mal que teria causado ao estado fluminense…

A humilhação, mais do que dele, foi, ao meu ver, da própria Justiça Criminal que jamais poderia assim proceder em um Estado de Direito Democrático. Foi, mais uma vez, do Ministro Gilmar Mendes, tão injustamente criticado, a decisão de requisitar a instauração de investigação para apurar o gravíssimo fato, mesmo porque a Suprema Corte tem súmula vinculante limitando o uso de algemas a situações excepcionais.

Eis que, abrindo o jornal “Folha de São Paulo” do último dia 6 de junho, me deparo com uma foto do ex-governador, sentado e sorridente, olhando para um bebê em seu colo.

Tratava-se de seu primeiro neto, que, com autorização do juiz que presidia a audiência, lhe era apresentado.

O sorriso, para quem sabe que certamente não deixará a prisão com vida, mostra que, através dos filhos e netos, nós continuamos de certa forma a existir, e, para eles, sempre haverá esperança…

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