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O COMPLEXO DE VIRA-LATA E NEYMAR

O COMPLEXO DE VIRA-LATA E NEYMAR

(Roberto Delmanto)

Foi Nelson Rodrigues, dramaturgo e jornalista, amante do futebol, que, com sua genialidade e sensibilidade, cunhou a famosa, mas triste, frase: “O brasileiro tem complexo de vira-lata”.

Nosso país, como diz a canção de Jorge Benjor, foi “abençoado por Deus”.

Nenhuma outra nação tem tantas belezas naturais: praias, mares, rios, árvores, plantas, flores, pássaros, florestas, inclusive a maior parte da Amazônia, pulmão do mundo e sua futura farmácia; nem tantos recursos minerais, fluviais e marítimos, a maior reserva de água doce do planeta, um país sem vulcões, terremotos , maremotos ou tornados.

Como disse ao rei, em sua primeira carta, Pero Vaz Caminha, escriba de Cabral: “Aqui, em se plantando, tudo dá”. E Américo Vespucci, que percorreu a costa brasileira em 1502, acrescentou: “Se existir um Paraíso, ele não deve estar longe”.

Nosso povo é essencialmente bom, trabalhador, pacífico, cordial, hospitaleiro, acolhedor, solidário, criativo e alegre, apesar das recentes tentativas de dividi-lo e fazê-lo odiar.

Os estrangeiros que desde sempre aqui chegaram, vindos de todas as partes e adotando-nos como sua segunda pátria, ou que apenas nos visitam como turistas ou a negócios, ficam encantados. Todas as raças e religiões encontram, enfim, a liberdade e o respeito que não tiveram em outras plagas.

Mas nós, brasileiros, ao contrário de outros povos menos bem-aventurados, não valorizamos nosso país. Certo que temos graves problemas como a violência, filha da injustiça social, e a corrupção, fruto da cobiça desenfreada. Mas tudo o que possuímos de bom, e ainda podemos ter de melhor, é muito superior às dificuldades presentes.

Além de não darmos valor às nossas coisas, também não valorizamos nossos heróis e ídolos. Preferimos desvalorizá-los, senão inconscientemente destruí-los…

Exemplo disso é o que aconteceu e está acontecendo com Neymar, nosso maior craque.

Nenhum outro jogador terá sofrido tantas faltas quanto ele nessa Copa. Os árbitros são tolerantes com defensores que usam de violência contra atletas de talento, quando, na verdade, deveriam protegê-los, pois deles depende a beleza do futebol.

Recém saído de uma cirurgia, Neymar sofreu e lutou para se recuperar a tempo de participar da Copa. Jogou as primeiras partidas visivelmente com dor e chorou de emoção quando, ao vencermos o México, fez sua melhor partida. Como os demais jogadores e comissão técnica, honrou nossa camisa verde-amarela.

Os que já jogamos futebol, sabemos que, ante a iminência de uma jogada violenta, é preferível saltar, muitas vezes caindo, do que ficar estático, podendo ter uma perna quebrada e, quiçá, a carreira encerrada. Por outro lado, difícil, senão impossível, terceiros avaliarem a intensidade da dor do atingido.

Lembro-me bem da agressão que Neymar levou nas costas na Copa de 14, tirando-o da competição, e do covarde pisão no pé que tomou na Copa de agora, mostrado claramente pela televisão. Para ambos, a arbitragem foi escandalosamente leniente: em 14, limitou-se a um cartão amarelo, e, na de 18, penso que nem punição houve, quando o correto, em ambas ocasiões, seria a expulsão, com posterior suspensão pela FIFA.

Jogadores e técnicos estrangeiros menos dotados, que voltaram mais cedo do que nós para a casa e sem a mesma honra, além de jornalistas desses países, passaram a apelidar Neymar de “cai, cai”.

E, estranhamente, a imprensa brasileira, ao invés de defender, como deveria, nosso principal craque, passou a fazer coro às críticas de fora, que, nas nossas redes sociais, foram transformadas em chacota.

Não vi jornalistas ou torcedores de outros países tentando destruir a imagem de seus jogadores, fossem eles alemães, espanhóis, portugueses ou argentinos.

Parece que, mais uma vez, infelizmente, aflorou em nós o complexo de vira-lata.

Mas apesar de todas as injustiças, o enorme talento de Neymar continuará a brilhar, enchendo de orgulho todos os brasileiros que realmente amam o futebol.

E o nosso país, em que pese a descrença de muitos, haverá igualmente de nos orgulhar.

Como escreveu em inspirado artigo Roberto Mangabeira Unger:

“O engrandecimento do Brasil soará, em todos os recantos da terra, como o grito de uma criança ao nascer, prometendo novo começo para o mundo. Presos em seus afazeres, tentando esquecer que morrerão, homens e mulheres pararão, por um instante, perturbados por uma esperança inesperada. Ouvirão nesse grito a profecia do casamento da grandeza com o amor” (artigo “Grandeza do Brasil”, Folha de São Paulo, 20.03.2001).

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