Não só de pão vive o homem
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Não só de pão vive o homem
O novo ministro da Justiça enfrentará três grandes tarefas: cuidar da segurança pública a nível nacional, estimular a reforma do Poder Judiciário e garantir o respeito aos direitos individuais, hoje desprezados em muitos setores estatais. Convenha-se: o brasileiro precisa sentir-se em paz, protegendo-se contra a criminalidade, organizada ou não. O Poder Judiciário, de seu lado, não tem conseguido atender à necessidade de distribuir justiça rápida. Há, ali, crise rotunda, não se devendo esquecer que a Justiça Penal tem cumprido sua função quando se trata de condenar. Realmente, a sentença condenatória é solução mais fácil, sendo preciso acentuar que a exculpação, em se tratando de infrações penais que repercutem, exige muita determinação e coragem, não muito freqüentes, do julgador. De outra parte, o próprio Estado, por seus representantes, dá exemplo seguido de violência, ceifando vidas sem muito escrúpulo. Dá-se, assim,péssimo exemplo ao povo. Acostuma-se o cidadão a ver o bandido morrer. Gera-se uma espécie de “olho-por olho, dente por dente”. No fim, pouca gente liga para o extermínio dos infratores. Além disso, as cadeias e penitenciárias estão superlotadas, significando que o juiz penal é muito eficaz.
O Ministério da Justiça, então, há de enfrentar problemas extremamente extravagantes: a Justiça civil é ruim, a penal manda aos cárceres mais gente do que os cárceres suportam, a legislação repressiva é cada vez mais severa e a agressão recíproca entre bandidos e agentes da lei se transforma praticamente em guerra. Uns e outros desrespeitam as regras. Os primeiros as desobedecem por vocação. Os últimos o fazem por imitação, buscando os eflúvios advindos de nações outras.Com efeito, o Secretário da Segurança do Estado de São Paulo já afirmou, convictamente, que o Brasil e a França estão prestando auxílio mútuo, mormente no ramo da interceptação telefônica, em que os franceses estão muito bem desenvolvidos…
Numa prospecção vinculada ao próprio Poder Judiciário, sabe-se que a ausência de uma sorte qualquer de controle externo enfraquece a confiança que o povo deve devotar à toga. Não se pode esquecer, igualmente, da nenhuma censura exterior existente quanto ao Ministério Público, único setor do poder a vagar em mansas águas, sem possibilidade qualquer de interferências no seu
“não fazer”. Já se vê, portanto, que o ministro Márcio incorpora tarefa não invejável. Oxalá seja bafejado por uma sorte qualquer de obstinação, porque os inimigos, dentro e fora do parlamento, estarão escondidos atrás das portas, uns buscando porções maiores de intromissão, outros defendendo assiduamente maior severidade na legislação repressiva, como se a gravidade das penas constituísse solução para a criminalidade.
Bons ventos tragam o primeiro discurso do presidente da República. Pretende alimentar o brasileiro. Se o povo tiver três refeições por dia (café, almoço e janta), será um bom começo. É, certamente, preocupação primária. O peixe morre pela boca. Mas a brasilidade voltada à culinária, sozinha, entumesce o estômago e enraíza a preguiça na luta por objetivos maiores. Em suma, pão e circo, vá lá, ou o brasileiro morre de fome. Não se esquecerá o presidente, entretanto, de que a garantia da liberdade é corolário indispensável a uma nação democrática. Estômago cheio sim, mas o direito de ir, vir e ficar, vendo-se garantido na privacidade e protegido na própria imagem, eis aí o pouco que se pretende. É pretensão mais fácil do que comer e beber. Segundo alguns, o ser humano precisa ser alimentado e ter segurança. Satisfaz-se com isso. A liberdade seria dispensável. Formam-se, assim, os países da escravidão. A fome é ruim, execrável, odienta, torturante. Não se mate, no brasileiro, a vontade de comer, deixando-se-o esquecido, enquanto fizer o quilo, de que precisa fechar, igualmente, o focinho do minotauro em que se transformou, aos poucos, o Brasil moderno. Eis aí.
* Advogado criminalista em São Paulo há quarenta e dois anos. Esta crônica é personalíssima. Retiro meus títulos.