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QUEM VAI PAGAR A CONTA?

Tales Castelo Branco

Após renhidas campanhas eleitorais, como é de todos sabido, foi eleito presidente da República o capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, do pequeno partido PSL (Partido Social Liberal). Venceu seu opositor Fernando Haddad, candidato oficial do PT, indicado e sacramentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Bolsonaro, além de representar e unificar a Direita, atraiu as classes conservadoras, a classe média mais bem posicionada na escala social e os simpatizantes do militarismo, enquanto Haddad ficou com os eleitores favoráveis ao ex-presidente Lula e ao ideário de Esquerda, aí compreendidos principalmente aqueles que lutam pela diminuição da desigualdade social e a favor dos direitos humanos das minorias.

A disputa eleitoral foi duríssima, graças, em grande parte, às facilidades oferecidas pelas redes sociais. Os engenhos fornecidos por essas ferramentas de ampla propagação de notícias, falsas ou verdadeiras, levou a contenda a extremos jamais imaginados. Irrogou-se a Bolsonaro a utilização de verdadeira máquina de fake News (depois desbaratada), distribuindo fartamente nas redes sociais informações comprometedoras à dignidade pessoal de Fenando Haddad.

Singularmente, em um Estado laico como o nosso, nunca se abusou tanto da palavra Deus nem dos apelos religiosos. A chamada “bancada da bíblia”, os seus representantes e os pastores das mais diversas religiões estiveram sempre muito ativos. Claro que tudo isso foi meticulosamente planejado, tendo em vista que o nosso povo é predominantemente crédulo e religioso.

Apesar das orações religiosas coletivas e dos manifestos protestos de submissão a Deus, sabe-se, porém, que Bolsonaro não ostenta bons antecedentes. Não foi um bom militar, como demonstrou reportagem da Folha, em 2017, quando seu superior hierárquico, coronel Carlos Alfredo Pellegrino, disse que “ele tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”. Mostrou-se insubmisso, ao escrever, em setembro de 1986, um artigo para a revista Veja reivindicando aumento salarial para a tropa. Por isso, amargou 15 dias de prisão. A acusação foi de “ter ferido a ética, gerando clima de inquietação no âmbito da organização militar”. Em junho de 1988, foi julgado pelo Superior Tribunal Militar e considerado “não culpado” por ter, juntamente com um colega de farda, planejado a explosão de bombas em unidades militares do Rio de Janeiro para pressionar seus superiores. Especificamente contra Bolsonaro, pesava a forte suspeita de que ele havia desenhado os croquis dos atos terroristas. Foi beneficiado pela dúvida gerada pelo antagonismo dos laudos apresentados. A sua situação nas fileiras do Exército já então não era confortável. Assim, no final desse mesmo ano, foi afastado da ativa e transferido para a reserva remunerada, com a patente de capitão. Com o prestígio angariado junto aos militares por sua ousadia na luta por melhores salários, decidiu investir na carreira política, conseguindo eleger-se, no Rio de Janeiro, para o cargo de vereador pelo Partido Democrata Cristão. Assumiu o mandato em 1989, mas permaneceu na Câmara Municipal por apenas dois anos. Sempre como porta-voz das reivindicações dos militares, conseguiu eleger-se, em 1990, deputado federal, reelegendo-se sete vezes consecutivas. Transitou por vários partidos (PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC) até aportar, atualmente, no PSL. Não foi, em nenhum desses partidos, um parlamentar brilhante. Destacou-se, desde logo e apenas como ferrenho opositor da Esquerda, do PT, das minorias e dos direitos humanos em geral. Enalteceu, sem rebuços, a ditadura militar, exaltando, com entusiasmo, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais conhecido torturador daqueles dias de chumbo.

Durante 27 anos de parlamento conseguiu aprovar apenas dois projetos. Ademais, comportou-se vergonhosamente no plenário da Câmara dos Deputados ao ofender de forma vil à deputada Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul. A ofensa teve repercussão nacional porque foi realmente grotesca. Disse à sua colega que “ela não merecia ser estuprada por ser muito feia e não ser seu tipo”. A deputada gaúcha promoveu ação penal contra ele e o processo tramita pelo STF, que é o foro competente.

O seu vice-presidente, General Mourão, bem conhecido por suas posições de Direita, falou explicitamente em “autogolpe”, e seu filho, Eduardo Bolsonaro, deputado federal, em pronunciamento de todo inconveniente, disse que “para fechar o Supremo bastaria um soldado e um cabo”.

Em linhas gerais, este é o presidente que o povo brasileiro democraticamente elegeu. Ele pensa assim e não escondeu de ninguém.

Neste sentido, nenhum eleitor de Bolsonaro pode sentir-se traído ou enganado. Ele é o que é, e sempre foi. E não ludibriou ninguém. Até mesmo a sua vocação sanguinária era bem conhecida por suas manifestações anteriores. Em 1998, em entrevista à revista Veja, proclamou: “Pinochet devia ter matado mais gente.” E, em 1999, em programa de TV, declarou: “No período da ditadura, deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique.”

Politica e intelectualmente ele também não escondeu sua notória incompetência. Fugiu dos debates com Fernando Haddad, como o diabo foge da cruz, e disse claramente que não entendia nada de economia.

Resta saber, agora, quem vai pagar a conta, se ele realmente confirmar o que parece ser.

 

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