Home » O DIREITO AMEAÇADO

O DIREITO AMEAÇADO

(Roberto Delmanto)

 

Com o fracasso da esquerda – envolvida em endêmica corrupção e causadora de descalabro econômico-financeiro –, assumiu o poder a extrema direita, personificada pelo Presidente Jair Bolsonaro. Tendo recebido cerca de 55 milhões de votos, contra 45 da oposição, em um país dividido, a decisão popular há de ser respeitada, justamente por ser a democracia “o governo do povo, pelo povo, para o povo”, na célebre definição de Abraham Lincoln.

Bolsonaro escolheu para Ministro da Justiça o Juiz Sérgio Moro, o mais rigoroso, temido e, ao mesmo tempo, popular membro da Magistratura brasileira, verdadeiro ícone nacional.

Aceitando a indicação, Moro apresentou à mídia um resumo do “pacote” anticorrupção que pretende enviar ao Congresso, logo após o início da próxima legislatura.

A pretexto de combater com mais eficiência a corrupção – desejo de todo cidadão de bem, independentemente de sua ideologia – o anunciado “pacote” representa um enorme retrocesso em toda a evolução democrática e civilizatória que nossos Código Penal, Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal tiveram em dezenas de anos.

A ênfase da anunciada “reforma” é na pena de prisão, de preferência em regime fechado, a qual, todavia, não diminuirá a criminalidade que a todos preocupa.

O Brasil é hoje o terceiro país que mais prende no mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos, e à frente da Rússia. E a criminalidade, entre nós, só tem aumentado.

Nem se queira culpar o sistema de progressão de regime da pena de prisão, que vai do fechado, para o semi-aberto e, só depois, para o aberto, buscando a ressocialização do condenado. Tudo com rigorosas regras, inclusive a exigência de dois quintos de cumprimento da pena para progressão nos crimes hediondos se o autor for primário e de três quintos se reincidente.

E por que a criminalidade vem crescendo tanto? Há, inicialmente, que distinguir suas duas modalidades: a de rua, violenta, em virtude da qual ao sair de casa não sabemos se vamos voltar com vida, e a de colarinho branco, que, em geral através do conluio entre agentes públicos e empresários, tem causado o desvio de milhões de reais que deixam de ser aplicados em prol da nossa sofrida população, principalmente a mais carente.

A criminalidade de rua decorre, antes de tudo, da nossa enorme desigualdade social, do errático combate às drogas, da falta de educação, moradia e saneamento, enfim, da miséria. Embora estejamos entre as nações economicamente mais fortes, somos uma das que apresentam maior desnível de renda entre ricos e pobres.

Nossas favelas e prisões foram abandonadas pelo Poder Público. Em consequência, as primeiras acabaram tomadas pelo tráfico e as segundas, por organizações criminosas.

Atualmente, um jovem que entra em uma prisão, para não ser agredido, abusado sexualmente, ir parar nas piores celas e, talvez, até morrer, tem, necessariamente, de ingressar em uma dessas organizações, na qual estará a salvo, a não ser que surja dentro do mesmo presídio uma facção rival.

Solto, ele não tem condições de mudar de estado, cidade ou até mesmo casa. E, certo dia, receberá um telefonema daqueles que o protegeram, “cobrando” a proteção dada. Deverá, sob pena de graves represálias, inclusive à sua família, matar um desafeto da organização, cuja foto e endereço lhe serão enviados por celular.

Ao invés de estarmos combatendo com mais eficiência a criminalidade de rua, estamos, na verdade, “enxugando gelo”. Pior ainda, alimentando com nossos jovens, cuja maioridade penal se quer agora diminuir, as facções criminosas.

A criminalidade de colarinho branco, por outro lado, tem como origem a ambição desmedida, por vezes doentia, a total falta de escrúpulos e a esperança de impunidade.

Quanto a esta, a experiência mostra que, mais importante do que a natureza e o tamanho da pena, é a certeza da sua aplicação.

E o que mais afetaria esse tipo de criminoso seriam as sanções econômicas, a perda de tudo o que desviaram do Estado, com juros e correção monetária, e pesadas multas pecuniárias.

Já em 1920, Berrini dizia que “as penitenciárias têm sido chamadas de Universidade do crime; o Estado gasta enormes somas para cultivar intensamente a periculosidade e a criminalidade dos delinquentes e restituir depois à sociedade delinquentes mais amedrontadores do que antes. O ócio, a promiscuidade em reclusões fechadas e restritas, tudo, tudo embrutece ainda mais os réus (apud Giorgio Del Vecchio, “La Giustizia”, Roma, Studium, 1946, p. 194).

Por esses motivos, em todo país civilizado, nos Estados de Direito Democráticos, a pena de prisão tem sido reservada aos criminosos violentos, autores ou reincidentes em crimes hediondos, delinquentes tidos, praticamente, como irrecuperáveis.

O anunciado “pacote” anticorrupção de Moro vai, infelizmente, em sentido contrário: aumento das penas de prisão, abolição ou maior restrição da progressão de regime, proibição de saídas temporárias para os presos em regime semi-aberto com bom comportamento, execução da pena logo após a condenação pelo júri, mesmo que por uma votação mínima, e aumento dos prazos prescricionais, que têm como uma de suas finalidades justamente obrigar o Estado a agir de maneira mais célere.

Os democratas de esquerda, de centro-esquerda, de centro,de centro-direita e mesmo de direita, não detectaram o perigo extremista que se aproximava. Na falta de estadistas, os políticos com “p” minúsculo, olhando apenas para o próprio umbigo, deixaram de se unir a tempo.

Espero que, diferentemente, nós, operadores de direito comprometidos com a liberdade – advogados, juízes e promotores – e também os universitários, nos unamos desde já contra o direito penal e processual penal que se avizinha, autoritário, radical e extremista.

E busquemos com a única arma de que dispomos – a palavra – sensibilizar nossos legisladores e a própria opinião pública, prestes a ser, mais uma vez iludida.

Afastando, assim, do direito penal e processual penal democrático, justo e humano que continuamos a almejar, uma ameaça iminente…

Deixe um comentário, se quiser.

E