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Eleições na OAB-SP. Quem vencerá? Todos são vencedores.

   O cronista e Tallulah Carvalho, fazendo campanha

Coronel Erasmo Dias, segundo Percival de Souza *

Por Percival de Souza

O coronel Antonio Erasmo Dias estava furioso. Antes do setembro de 1977 chegar, estudantes arrancaram um enorme cartaz, anunciando a exibição do filme King Kong, exposto em frente ao antigo cine Marrocos, na rua Conselheiro Crispiniano, e o levaram para as sacadas da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco.

No dia seguinte, uma manifestação reuniria centenas de estudantes bem em frente. Lá do alto, manipulando com cordas o cartaz do enorme gorila, os estudantes berravam “Erasmo, Erasmo”. O coronel foi para lá e ficou embaixo das sacadas, olhando e rangendo os dentes, enquanto a Polícia Militar, de prontidão, aguardava suas ordens.

Erasmo, ensandecido, parecia um dragão enfurecido, ao lado do delegado-geral de Polícia, Tácito Pinheiro Machado, que inutilmente pedia aos estudantes para “não fazerem aquilo com a nossa faculdade”. Erasmo, visivelmente a contragosto, preferiu engolir o sapo inchado.

Mas os estudantes ficaram atravessados na garganta do coronel do Exército, poderosíssimo nos anos de chumbo. Ninguém mandava mais do que ele em São Paulo. Nem mesmo o governador. Até mesmo as duas Polícias o temiam, porque costumava aparecer de madrugada nas delegacias e surpreender nos quartéis. O simples boato de que “Erasmo vem por aí” era o suficiente para deixar as Polícias em polvorosa. Nunca mais apareceu alguém que tivesse, como ele, a Polícia sob o mais absoluto controle.

À noite, para relaxar, costumava tomar uísque em casas noturnas. Embriagava-se. O fiel escudeiro Romeu Tuma, diretor do DOPS — a polícia política — chegava nas madrugadas e levava-o para casa.

22 de setembro: completam-se quarenta anos de tudo o que aconteceu naquela noite primaveril dentro e fora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na rua Monte Alegre. Corajosos, com Erasmo e tudo, os estudantes marcaram para realizar ali um 3º Encontro Nacional de Estudantes e, de tabela, a reorganização da UNE, a União Nacional dos Estudantes. Havia muita gente, dentro e fora do campus. Erasmo avisou que nenhum ato estudantil seria permitido. Não adiantou. Mandou a PM cercar a PUC e foi comandar pessoalmente a operação, ignorando os chefes militares, antecipadamente disposto a não suportar mais as provocações tipo King Kong.

De repente, a ordem que não foi dada no Largo São Francisco ecoou veemente no bairro das Perdizes. Erasmo, ali, era o símbolo encarnado do poder militar. “Está todo mundo preso”. Todo mundo, no caso, era uma massa estudantil incalculável, levada aos empurrões para um estacionamento de automóveis, que ficou completamente lotado, em frente ao TUCA.

Os estudantes foram obrigados a ficar sentados no chão. Erasmo berrava, ofegante: “é lei de segurança nacional”. Pais e mães de estudantes chegavam a todo instante, desesperados e lacrimejantes, implorando pela soltura dos filhos.

Alguns poucos, conhecidos e até amigos de Erasmo, foram contemplados pelo coronel irascível, desde que prometessem conversar severamente com os rebeldes, “lá em casa”. Foi constrangedor para os poucos libertados enfrentar os olhares dos colegas presos.

Os policiais militares haviam entrado com tudo na PUC, jogando bombas de gás lacrimogênio e efeito moral por todos os lados, enquanto estudantes tentavam escapar, correndo das explosões e golpes de cassetete.

Uma cortina de fumaça e um cheiro insuportável tomaram conta de todos os espaços. Quase mil estudantes, transportados em ônibus, foram confinados no quartel do 1º Batalhão de Choque, imenso casarão amarelo na avenida Tiradentes.

Antes da invasão, o sereno professor Hermínio Marques Porto, promotor público, dava para seus alunos de Direito uma prova de Direito Constitucional. Os estudantes estavam debruçados sobre as carteiras, escrevendo, quando os homens da PM invadiram a sala lançando bombas ensurdecedoras. A prova foi bruscamente interrompida, do mesmo modo como estavam interrompidos os mínimos preceitos constitucionais da Carta Magna, que seria reformada onze anos depois.

O professor de Direito teria dificuldade, depois, em explicar o que vem a ser a realidade diante da teoria. Mais do que seus alunos, os estudantes eram personagens de fatos concretos.

Um dos constituintes, professor constitucional na USP, ainda com o caso da PUC na cabeça, propôs a extinção sumária das Polícias Militares naquela que seria a nova Lei Maior. Não conseguiu. Anos depois, ele mesmo seria secretário de Segurança, justamente em São Paulo, tendo que conviver com a mesma PM que havia pretendido exterminar. Quis acabar com o Comando de Choque da corporação, tropa reserva do Comando Geral. Também inútil.

Irônico isso, mas nada surpreendente, considerando-se que o Ato Institucional nº 5, auge do arbítrio institucional, também foi obra de um professor da USP — nas mesmas Arcadas de onde os estudantes afrontavam Erasmo Dias com o cartaz de King Kong.

Novas primaveras vieram. Os estudantes de 1977 tomaram novos rumos na vida. Na maioria, bem diferentes dos ideais e sonhos daquele ano rebelde. Talvez porque muitos deles tenham feito exaustivas leituras ideológicas do mundo. Mas do que leram, bem poucos entenderam.

 

 

Cameraman  e Editor: Diego da Costa

 

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