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DE CRIANÇAS SUBNUTRIDAS A JOVENS DETENTOS

(Roberto Delmanto)

 

No mundo globalizado da internet as notícias, boas ou ruins, dos mais longínquos rincões da terra, nos chegam com enorme rapidez. Em geral, por serem em maior número ou por opção da mídia em vender mais, satisfazendo a morbidez humana, os maus acontecimentos – guerras, atentados, terremotos, tsunamis – são aqueles dos quais primeiro tomamos conhecimento.

Entre estes, nossos jornais e revistas têm mostrado fotos chocantes de crianças do Iêmen “em pele e osso”, sem mais qualquer músculo ou mínima gordura, em total desnutrição, muitas já sem nenhuma chance de sobrevida. Flagelo monstruoso causado pela guerra civil daquele país, que atinge, pela absoluta falta de alimentos básicos, suprimentos e atendimento médico – hospitalar, principalmente a infância.

O mundo civilizado assiste estupefato e, pior ainda, inerte, à dramática situação, que mereceria uma enérgica intervenção da ONU a obrigar as partes beligerantes a pelo menos um cessar-fogo que permitisse a urgente chegada de ajuda humanitária.

Entre nós, há uma outra situação dramática, esta, ao contrário, pouco noticiada pela imprensa: o vergonhoso, caótico e medieval sistema carcerário brasileiro, com uma quantidade de presos, definitivos e provisórios, o dobro do número de vagas; celas superlotadas e infectas, nas quais muitos dormem no chão e outros em redes improvisadas, presas às grades, os chamados “homens-morcegos”; onde doenças até há pouco tidas como exterminadas, como a tuberculose, ou controladas, como a AIDS, aumentam assustadoramente.

A imensa maioria dos nossos presídios poderia ter à sua entrada, os mesmos terríveis dizeres do Pórtico do Inferno descrito por Dante Alighieri, em sua imortal “Divina Comédia”: “Vós, que aqui entrais, deixai para fora toda esperança”.

Situação mais grave é a dos jovens infratores jogados nos cárceres por pequenos tráficos, em que serviram de “mulas” para grandes traficantes, ou por roubos sem que as vítimas houvessem sido feridas.

Nesse universo fétido e cruel, para sobreviver precisarão entrar para uma organização criminosa que os protegerá, mas da qual, ao sair, se e quando isso acontecer, terão se tornado “escravos”…

Os que assim não o fizerem irão para as piores celas e, dentro delas, para os piores locais; sofrerão violências físicas e abusos sexuais, servindo de “mulherzinhas” para presos mais velhos que enxergam neles a última “semelhança” com o sexo feminino do qual quase já se esqueceram. Para tanto, esses condenados veteranos, com sua influência, conseguem que essa “carne nova” seja destinada às celas que ocupam; nelas, a princípio, se portam como “protetores” desses infelizes moços para depois, como “preço”, deles abusarem. Daí, porque muitas vezes chegam aos Fóruns Criminais inquéritos de assassinatos de detentos mais velhos por detentos mais jovens, sem “aparente” motivo ou “testemunhas”, diante do silêncio, da “omertà” mafiosa que ali impera…

E, assim como o mundo no caso das crianças iemenitas, a tudo assistimos, estupefatos e inertes, ouvindo, sem reação, a proposta do novo Governo de diminuir para 16 anos a maioridade penal.

E eu indago: aonde vão ser colocados tais jovens? Com a atual falta de recursos, e vontade política, vão ser construídas prisões especiais para eles ou alas separadas nos decrépitos presídios já existentes?

Tudo indica que esses moços, na grande maioria levados ao crime pela miséria que os cerca desde o nascimento, ao se misturar aos presos maiores, acabarão ficando piores e doentes, ou mais doentes.

Para os atos infracionais mais graves praticados por menores de 18 anos, como homicídios, latrocínios e estupros, de há muito, em meus livros, venho sugerindo que a internação deles, cujo prazo máximo é hoje de três anos, seja razoável e proporcionalmente dilatada em comparação com as penas impostas aos maiores. Mas jamais diminuir a maioridade penal, jogando-os em prisões comuns, no meio de presos mais velhos e mais pervertidos, em uma verdadeira “Universidade do Crime”…

Tanto no caso das crianças do Iêmen, como no caso dos jovens presos brasileiros, é imprescindível sejam tomadas providências urgentes, pois, como disse José Saramago, “o pior de tudo é quando sabemos das coisas, e não agimos”…

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