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GRATIDÃO E DECEPÇÃO*

(Roberto Delmanto)

 

A gratidão, embora rara, é dos mais belos sentimentos humanos. Ser grato àqueles que nos ajudaram na vida desde a infância, pais, irmãos mais velhos, avós, professores, colegas e superiores hierárquicos enobrece a alma e eleva nossa espiritualidade. Sobretudo, quando somos auxiliados em momentos difíceis, por razões de saúde, profissional, financeira ou política, em que os falsos amigos desaparecem e só ficam os verdadeiros.

Já a decepção é um sentimento que nos assola quando alguém ou algo, em que projetamos virtudes e qualidades, ou mesmo as testemunhamos, nos desaponta.

No embate entre esses dois sentimentos, o segundo costuma ser vencedor.

Dois episódios recentes me levam à tal conclusão.

O primeiro diz respeito ao ex-Presidente Lula. No seu primeiro governo foi considerado o melhor mandatário da história, voltando sua administração para os mais necessitados, implantando o bolsa-família que retirou da miséria absoluta cerca de 40 milhões de pessoas, criando o “Minha casa, Minha vida” que deu a primeira moradia a milhares de famílias, abrindo a educação superior aos jovens carentes e iniciando a tão sonhada transposição do rio São Francisco.

Seu declínio começou no primeiro mandato da ex-Presidente Dilma, por ele apoiada, e se ampliou no segundo, em que ela foi cassada.

As delações de ex-companheiros e empresários na Lava Jato, embora insuficientes sem outras provas, foram amplamente difundidas pela mídia, levando-o a progressivo descrédito e, finalmente, à decepção por parte de muitos daqueles que acreditaram na sua pessoa e em seu partido.

Preso há 9 meses na Polícia Federal em Curitiba, escasseiam, cada vez mais, as manifestações em sua defesa e pela sua liberdade.

O segundo episódio refere-se a João de Deus, conhecido em todo o mundo por sua grande mediunidade.

Estive várias vezes em Abadiânia e pude presenciar os depoimentos de centenas de pessoas, brasileiros e estrangeiros, por ele ou por sua intermediação curados, muito desenganados pela medicina tradicional e já sem qualquer esperança.

Nada presenciei de anormal ou irregular, nenhuma doação me foi pedida, e o pouco que gastei foi na compra de água fluidificada e placebos.

Parente meu foi por ele operado espiritualmente, sem corte ou incisão, e a melhora, no mesmo dia, foi visível.

Todos lhe demonstravam enorme gratidão, a qual se transformou em decepção quando surgiram denúncias de assédio sexual, que se multiplicaram com enorme rapidez. Há muitas delas já prescritas e outras em que a punibilidade foi extinta pela ausência de representação, necessária até setembro último.

As que restarem serão apuradas em juízo, com respeito à ampla defesa e ao contraditório, separando-se o joio do trigo. Relatos de assédios que não guardarem coerência mínima ou de pessoas que, depois de supostamente abusadas, retornaram, livremente, por mais de uma vez ao seu Centro, tenderão a não ser aceitos. Já outros relatos que guardarem verossimilhança, partirem de pessoas idôneas e, principalmente, se apoiarem em provas concretas e inquestionáveis, poderão vir a ser aceitos e levá-lo à condenação.

Enquanto isso não acontece, foi João de Deus preso preventivamente, atendendo a um clamor popular que a própria jurisprudência majoritária não aceita.

E eu indago: onde estão os milhões de pobres beneficiados por Lula ou os milhares de doentes curados pelo médium?

Quanto ao ex-Presidente, é ele cada vez mais esquecido e abandonado. Quanto a João de Deus não vi nenhuma manifestação, nenhum abaixo-assinado, de tantas e tantas pessoas por ele atendidas, no Brasil ou no exterior. Nem, ao menos, para apenas dizer que foram curados, nada lhe pagaram e nenhum assédio sofreram.

Sem dúvida, em ambos os casos, o nobre sentimento da gratidão sucumbiu ao da decepção, revelando aspectos tão distintos da nossa condição humana…

 

*Roberto Delmanto, dos maiores penalistas que a pátria tem, é insuspeito. Se pudesse, este cronista assinaria junto.

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