O CINEMA JAPONÊS E O JÚRI

(Roberto Delmanto)

 

O TERCEIRO ASSASSINATO é o título de um intrigante filme japonês sobre júri, que concorreu recentemente no Festival de Veneza.

Em uma cidade daquele país, um ex-condenado por homicídio, em livramento condicional após 30 anos de prisão, é acusado de novo crime de morte, agora seguido de roubo e queima do corpo, sendo vítima o dono da fábrica em que trabalhava. Preso, confessa para a polícia e para o promotor público ter cometido o delito, inclusive roubando a carteira do morto.

A acusação é, então, de latrocínio, ou seja, assassinato para roubar. Ao jovem advogado incumbido de sua defesa, ele confirma a autoria, alegando apenas que não tinha premeditado apossar-se da carteira. A meta do defensor é, a partir daí, tentar desclassificar o latrocínio para homicídio com a atenuante da confissão, evitando, com isso, a pena capital. No início do júri, o acusado volta a confessar o homicídio.

O advogado passa, entretanto, a investigar os antecedentes do crime. Descobre que a filha do falecido, menor de idade, frequentava a casa do acusado. Esta acaba revelando ao defensor ter contado ao acusado que o pai, desde cedo, abusava sexualmente dela, estando disposta a depor no julgamento, o que poderia diminuir consideravelmente a pena pelo relevante valor moral do delito.

Quando comunica esse fato ao cliente, este lhe diz que a jovem mente e que deseja mudar sua versão, alegando que não cometeu o crime e que foi levado a confessar por orientação de seu anterior advogado, a fim de buscar evitar a condenação à morte. Insiste em que o defensor aceite sua palavra, pois da cena do crime não houve testemunhas presenciais, baseando-se a Promotoria somente na sua confissão.

A arriscada estratégia pode, segundo a lei japonesa, levar à anulação do julgamento, sendo necessária a realização de outro. Um advogado mais velho, ex-promotor que assessora o defensor, pondera que ele não deve pleitear a anulação do júri, pois levaria a descrédito o  juiz que o presidia e a própria instituição. Acrescenta que, afinal, embora em posições diferentes, “estamos todos no barco da Justiça”, que deve ser preservado.

O defensor aceita a nova versão do cliente, diz à filha da vítima que não é mais necessário que revele os abusos sofridos e deixa de pleitear a anulação do processo. Julgado, o acusado é condenado à morte.

Ao visitar o cliente após o julgamento, o advogado percebe que ele, por duas vezes, quis defender a menor: primeiramente, assassinando o pai abusador; depois, evitando que ela fosse obrigada a revelar publicamente os abusos de que fora vítima, mesmo sabendo que, com a mudança de versão, não escaparia da pena capital.

Vemos, assim, que o condenado, apesar de autor de dois homicídios, um no passado e outro agora, tem dentro de sua alma um lado bom. Não merece a pena capital e a execução desta, preservando “o barco da Justiça”, revela-se, na verdade, “o terceiro assassinato”, desta vez pelo próprio Estado…

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