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666

 

Roberto Delmanto

 

     Este é, para os esotéricos, o número do Anticristo. Há os que acreditam que ele já veio e outros, que ainda está por vir. Para os primeiros, pelos terríveis e incomensuráveis sofrimentos que causaram à humanidade, os principais candidatos são Átila, Napoleão e Hitler, com vantagem para o último.

 

     Curiosamente, esse é também o número da Portaria do Ministério da Justiça que prevê o impedimento de entrada, a repatriação e a deportação sumária de estrangeiros.

 

     Além de inconstitucional, ofensiva a tratados de direitos humanos por nós subscritos, ilegal e imoral, ela é extremamente cruel para os que aqui chegam.

 

     Não é demais lembrarmos o quanto devemos aos imigrantes que de tantas partes do mundo para cá vieram, além dos negros vítimas da escravidão: um povo miscigenado, alegre, versátil,  tolerante, solidário, compassivo, pacífico e essencialmente bom, que, ao lado da nossa privilegiada natureza, encanta a todos que nos visitam.

 

     A recente Lei de Migração, de 2017, prevê que o deportando tem pelo menos sessenta dias para regularizar sua situação, prazo esse que pode ser diminuído para os que hajam praticado atos contrários à Constituição Brasileira.

 

     Já a Portaria 666 estabelece para o impedimento de entrada, a repatriação e a deportação sumária de estrangeiros suspeitos (não condenados) de terrorismo, tráfico de entorpecentes, armas ou pessoas, organização criminosa armada, pornografia, exploração sexual de crianças e adolescentes, além de torcedores violentos, um prazo para que apresentem defesa de apenas 48 horas, devendo o recurso para ter efeito suspensivo ser oferecido em 24 horas.

     Ora, como pode o estrangeiro, em tempo tão exíguo, inteirar-se da acusação que lhe é feita e contratar um advogado para em seu nome recorrer?

 

     Viola-se triplamente a Constituição, atingindo as garantias do respeito à dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal, as duas últimas incompatíveis com somente um dia para recorrer.

 

     Viola-se igualmente outra cláusula pétrea da Magna Carta: a presunção de inocência, pois a suspeita pode basear-se em informação de inteligência brasileira ou estrangeira, e não em decisão judicial transitada em julgado.

 

     Diferentemente da Lei de Migração – que, à evidência, não poderia ser alterada por uma simples portaria – não excepciona aqueles que têm filhos brasileiros ou já são oficialmente refugiados.

 

     Embora não esteja previsto na Lei de Migração, a malfadada portaria autoriza a decretação de prisão cautelar para fins de deportação.

 

     Deixa, ainda, ao desamparo os perseguidos políticos, religiosos e étnicos que aqui chegam na esperança de salvar suas vidas.

 

     Ao final de seu mandato, a ilustre Procuradora Geral da República Raquel Dodge, em atitude que honra o Parquet, ingressou com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental no STF, com pedido liminar.

 

     Espera-se, agora, que a eminente Ministra Rosa Weber, a qual a ação foi distribuída, determine liminarmente a suspensão da portaria e que, posteriormente, o Pleno declare sua inconstitucionalidade.

     Que, nestes tempos tão difíceis, o fatídico número 666 tenha sido uma mera coincidência, e não, como diz Jung, uma sincronicidade…

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