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A VISTA ENCOBERTA E A LEITURA DINÂMICA

                                                                        (Roberto Delmanto)

O exercício da advocacia criminal, que exerço há 52 anos, talvez não tenha sido tão difícil quanto agora. Até na ditadura militar, embora duríssimas, as regras eram mais claras.

O Constituição Federal, em seu art. 133, dispõe que “O advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) estabelece, por sua vez, serem direitos do advogado “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos” (art.7º, inc.XIV).

A Súmula Vinculante nº 14 do STF estatui, a seu turno, ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

A ressalva feita é  justificada, pois se o investigado viesse a saber, por exemplo , que foi expedido um mandado de busca e apreensão em seu escritório e/ou casa, tal diligência seria facilmente frustrada.

Interpretando a referida súmula de forma, a meu ver, equivocada, o Setor de Precatórias da Polícia Federal em São Paulo tem impedido o acesso do defensor às perguntas feitas pela autoridade deprecante ao investigado, embora elas já estejam documentadas nos autos.

Há algum tempo, tendo um cliente recebido uma intimação desse Setor, na semana anterior à data designada, lá compareci, pedindo “vista” da precatória.

Antes de me concedê-la, o escrivão que me atendeu cortou na minha frente, com todo cuidado, uma folha de papel almaço em branco e grampeou-a na parte da precatória em que estavam as perguntas  formuladas pela autoridade policial deprecante,  impedindo-me de lê-las.

Diante da minha surpresa, informou-me que se tratava de ordem expressa da Corregedoria  da Superintendência,o que me foi confirmado pelo Delegado que atende às precatórias.

Ao pedir o escrivão que eu assinasse um termo confirmando que a “vista” me fôra concedida, ao fazê-lo deixei claro  meu protesto por não poder ter tido acesso às perguntas.

Como pude anotar o número do inquérito do qual se originara a precatória, antes da inquirição do cliente viajei até a cidade deprecante e, tendo acesso aos autos principais, consegui, enfim, ler as perguntas que constavam na  precatória expedida.

E, assim, cumprindo meu papel de advogado, garantir o sagrado direito de defesa, instruindo o cliente para sua oitiva, como era meu dever…

Mais recentemente, meu filho Fabio acompanhou outro cliente que fora intimado pelo mesmo Setor de Precatórias da Polícia Federal.

Fabio pediu ao Delegado para ler a carta precatória e ele autorizou, mas ao ver que ele a estava  lendo na íntegra, o interrompeu, dizendo-lhe  que não poderia ler  os quesitos feitos pela autoridade deprecante.

Percebendo que Fabio  já os havia lido, o cliente, brincando, disse ao Delegado:  “É que ele tem leitura dinâmica”.

A autoridade policial riu e, pedindo que não comentassem o “ incidente” pois contrariava norma da Superintendência, ouviu o cliente, que, conhecendo os quesitos, pôde melhorar se defender…

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