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A HUMANIDADE DE UM PAPA

(Roberto Delmanto)

            A Igreja Católica tem algumas características que talvez expliquem porque continua sendo o maior dos credos cristãos.

            A primeira delas é o perdão. Por mais graves que tenham sido nossas culpas, o arrependimento sincero as anula. A segunda é a infinidade de santos que servem de intermediários entre nós e Deus, alguns deles com dons especiais: Santo Expedito para as causas urgentes e complicadas; São Judas Tadeu, para as causas impossíveis; São Bráz, para problemas de garganta etc. A terceira é a figura do Papa, sempre de branco, eleito pelos cardeais sob inspiração do Espírito Santo, infalível nas questões de fé.

            O penúltimo pontífice – o polonês João Paulo II – foi um santo, assim proclamado pelo povo no próprio dia do seu sepultamento. O penúltimo – o alemão Bento XVI –, um intelectual. O atual – o argentino Francisco –, uma figura essencialmente humana.

Francisco nos cativa menos pelas suas virtudes e qualidades, raras entre nós, do que pelas suas fraquezas e defeitos, comuns a todos os mortais, fazendo-nos sentir mais próximos dele e, de certa forma, mais iguais.

Entre suas virtudes, podemos citar a bondade, a simplicidade, a humildade, a alegria, o otimismo, a preocupação com a paz mundial, com os mais pobres e injustiçados, e a intransigência no combate à pedofilia dentro da Igreja.

Entre suas fraquezas, eu lembraria alguns episódios.

Quando em Paris, o jornal humorístico Charlie Hebdo, que publicara uma caricatura de Maomé considerada ofensiva pelos muçulmanos, foi violentamente atacado há 5 anos, causando várias mortes, o mundo civilizado condenou o atentado. Ao também repudiá-lo com veemência quando indagado por jornalistas durante uma viagem aérea, apontando para o assessor jurídico do Vaticano que estava ao seu lado, Francisco perguntou, entretanto: “Se o Dr. … ofender minha mãe, o que ele pode esperar senão (fazendo o gesto) um soco?”.

Em outra oportunidade, confessou ter cometido um pequeno furto. Um padre, muito seu amigo, falecera. Francisco, já então uma figura importante do clero argentino, foi ao velório mais tarde, para poder ficar a sós com ele. Viu que o amigo estava com uma pequena cruz que, embora de pouco valor, há tempos admirava. Disse, então: “Sabem aquele diabinho que está dentro de nós?” Tentou-me e eu a peguei. Levo essa cruz até hoje junto ao meu peito, fazendo-me recordar de alguém muito querido…

Mais recentemente, depois de pedir aos fiéis que parassem de beijar sua mão, foi surpreendido retirando-a quando alguns insistiam em beijá-la…

No último dia primeiro de janeiro, após a missa de Ano Novo, o Papa circulava a pé pela Praça do Vaticano, acenando e dando a mão aos presentes. Foi quando uma moça de origem asiática puxou-o com força pelo braço, quase o derrubando. Segurando com força a mão direita de Francisco, negava-se a soltá-la, apesar da sua tentativa de desvencilhar-se. Até que ele, com a mão esquerda, deu dois tapas nas mãos da jovem, fazendo-a soltar a sua. A cena, televisionada, mostrou a incredulidade da mulher com a reação do Papa, e este, com cara de bravo, dela se afastando. No dia seguinte, ele se desculpou publicamente por ter perdido a paciência…

São cenas que, apesar de nada terem de santas, mostram um lado humano que o torna mais semelhante a nós.

No imperdível filme “Dois Papas”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, a humanidade de Bento XVI, por muito tempo escondida, e a de Francisco, por todos conhecida, são retratadas de forma magnífica por dois grandes atores, merecedores do Oscar: Anthony Hopkins, no papel do primeiro, e Jonathan Pryce, no do segundo.

Vê-se que, após a eleição do conservador Joseph Ratzinger, o reformista Mario Jorge Bergoglio, que fora o segundo mais votado, pensa em renunciar ao posto de cardeal.

Bento XVI, de quem era oponente, manda chamá-lo e, ao conhecê-lo melhor, passa a admirá-lo, antevendo que ele, talvez, possa vir a ser o próximo pontífice.

Bergoglio revela, aí, um sentimento de culpa que o acompanhava desde a ditadura militar argentina. Preocupado em proteger os jesuítas, dos quais era a mais alta autoridade no país, aproxima-se do Almirante Massera, que compunha o triunvirato ditatorial. Fica sabendo que um dos próximos alvos da repressão seria uma comunidade de padres da sua ordem que, na periferia de Buenos Aires, faziam um trabalho social tido pelo governo como comunista.

Bergoglio os avisa do iminente perigo, ordenando que encerrem imediatamente sua atividade pastoral e retornem à sede dos jesuítas, onde estariam protegidos. Eles se recusam a obedecê-lo e Bergoglio os suspende das funções eclesiásticas.

Os militares se aproveitam do gesto do futuro Papa, invadem a comunidade e prendem os religiosos. Dois são torturados e se sentem abandonados por Bergoglio, a quem eram muito ligados. Um deles vem, mais tarde, a perdoá-lo, rezando juntos uma missa ao fim da qual se abraçam emocionados. O outro, todavia, não o perdoa, vindo a morrer anos depois sem fazê-lo.

Bergoglio acha que não agiu da forma mais adequada, podendo tê-lo feito diferentemente. Não se sente digno de, eventualmente, atingir o papado. Bento XVI tenta convencê-lo de que, naquelas circunstâncias, fizera o melhor que podia.

Bergoglio, que não era uma figura unânime em sua terra natal, parece aceitar a ponderação de Bento XVI. E, após a renúncia deste, é eleito com grande votação e concorda em assumir o pontificado, tornando-se o Papa Francisco.

Percebemos, novamente, que são suas fraquezas, falhas e dúvidas, e não suas virtudes e qualidades, que o aproximam de nós e nos levam a admirá-lo. Justamente por sua humanidade…

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