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A ditadura da caneta no abuso de autoridade

Ademar Gomes

                 Quando a Lei 13.869, entrou em vigor no início deste ano, a sociedade brasileiro comemorou e criou a expectativa de um futuro melhor, sem perseguições injustas, uma vez que o novo texto define em melhores contextos os crimes de abuso de autoridade cometidos por agente público que, no exercício de suas funções, abuse do poder que lhe foi confiado.

                 Mas foi apenas uma expectativa porque, na verdade, crimes de abuso de autoridade continuam sendo praticados, em que pese as punições mais rigorosas impostas pela nova lei. É o caso, por exemplo, a prisão preventiva do diretor-presidente da OSS Santa Casa de Andradina, no Oeste do Estado de São Paulo, Fábio Antônio Óbici e outros, durante operação realizada pela Polícia Civil de Fernandópolis, também interior de São Paulo, que investiga, desde 2007, fraudes na administração da Santa Casa de Fernandópolis, instituição administra pela OSS de Andradina.

                 O inquérito gerado, porém, investiga ações entre os anos de 2007 e 2013, em gestões muito anteriores à exercida por Fábio Óbici. E nada foi apurado contra ele nas investigações e nada consta sobre ele no inquérito produzido pela Polícia Civil de Fernandópolis. Então, por que Fábio Óbici teve sua prisão decretada?

                 Durante o inquérito, o Delegado de Fernandópolis, que conduz as investigações, solicitou e obteve autorização judicial para grampear o telefone de Fábio Óbice. Assim, o Delegado teve acesso, entre outras, à conversa (sigilosa) entre o diretor da OSS e Andradina e este Advogado que o representa. Citado durante a conversa telefônica, o Delegado não deve ter ficado satisfeito, já que Fábio Óbice, embora considere que o Delegado esteja fazendo o trabalho dele na apuração dos fatos, sente que, extra autos, está sendo arbitrário em alguns pontos. Nesse aspecto, Fábio Óbice diz que se sente perseguido e ameaçado.

                 Foi após a gravação dessa conversa que o Delegado, certamente irritado com a referência a seu nome e atuação, pediu a prisão temporária, depois convertida em preventiva, do diretor-presidente da OSS de Andradina e outros. Abuso de poder? Certamente, já que nada havia nas investigações e no inquérito que comprometesse Fábio Óbice. Vale ressaltar que a nova lei considera crime iniciar uma investigação sem indícios ou divulgar nome de detidos sem comprovação de culpa.

                 Mas há outro fato grave: a conversa gravada pelo Delegado, embora autorizado pela Justiça, ocorreu entre um Advogado e seu cliente. E é sempre bom lembrar que o sigilo das conversas e dados telefônicos e telemáticos estabelecidos entre advogado e cliente está resguardado como cláusula pétrea inserta no artigo 5º, incisos XIII e XIV da Constituição Federal e no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8906, de 04 de julho de 1994) que prevê em seu artigo 7º, inciso II como prerrogativa do advogado “ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins”.

                 Felizmente, a Justiça é soberana. Em despacho do último dia 5 de março, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu habeas corpus com efeito liminar ao presidente da OSS de Andradina e outros. Em seu despacho, o Juiz alega tratar-se de “pedido de liminar objetivando a soltura do paciente, que teve sua prisão temporária convertida em prisão preventiva, investigado pela suposta prática dos crimes de organização criminosa e peculato, praticados, em tese, principalmente contra a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Fernandópolis. No caso em espécie, observo que o paciente não apresenta antecedentes criminais e é primário, não ostentando, em cognição sumária, função de liderança ou destacada na suposta organização criminosa”.

                 Portanto, embora todas as legislações a respeito sejam claras, com a nova Lei de Abuso do Poder em pelo vigor e o Estatuto dos Advogados defendendo nossas prerrogativas deste 1994, há ainda quem se atreva a contrariar esses textos, usando a ditadura de sua caneta para abuso inconcebível de poder.

Ademar Gomes

 Presidente do Conselho da Acrimesp

 Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo

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