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A Sociedade dos Ingênuos Mortos OU Carpe Diem Paulo Sérgio Leite Fernandes

O título é esquisito para uma crônica sobre o vírus. Faça hoje o extraordinário, não é preciso que se mate, livre-se um pouco da censura, liberte-se enfim, o amanhã não chegou, o dia é hoje… o cronista estava procurando o enredo do filme cujo nome primitivo inauguraria o texto quando chegaram notícias Soube então que o   Presidente da República tem saído do palácio, abraçando efusivamente os passantes, ou circunstantes. Põe-se alegre, sim, demonstrando, obviamente, não se importar com as recomendações rígidas de recolhimento advindas de cientistas respeitados. Ao lado disso, ou dia destes, o escriba ouviu nas entrelinhas, e viu, um ou outro comentário de membro da equipe do Ministério da Saúde, dando a entender um certo relaxamento da restrição instituída para combater a pandemia. Tal conduta, se real, é desafio, sim, um enfrentamento mais que simbólico, um desabrido exemplo de desobediência civil a ser imitado pelo povo. Bolsonaro tem suas razões: em primeiro plano, é um indisciplinado militar, posto na reserva por razões dizendo com premissas só conhecidas na plenitude pelos que participaram do contraditório lá atrás, corretas ou não, pouco importa agora, mas contendo, no íntimo daquele procedimento inquisitivo, um fato incontroverso: o capitão era um enfrentador de regras, fazendo-o solitária ou comunheiramente, mas sempre com resultados importantes. Por fim, as consequências do que fazia – e faz -  não parecem ser levadas em consideração pelo próprio porque não se apercebe de que um simples gesticular do primeiro mandatário da pátria pode significar uma censura ou aplauso, conforme as circunstâncias, a movimento popular levando à morte de centenas de criaturas. É o que acontece eventualmente a um boi liderando centenas de outros animais enquanto galopa rumo ao precipício: todos despencam em seguida. Transposta a metáfora para os humanos, a atitude de Bolsonaro, se e quando desnaturada, leva centenas de pessoas, ou milhares, ao passamento ou, em termos mais modestos, a internação em hospitais superlotados. Veja-se bem, um simples passeio pelas ruas de Brasília pode sujeitar a isso. Mas aquele homem faz o que faz, quem sabe, para demonstrar força e poder, ou então porque entende que a morte de milhares de brasileiros vai levar à salvação do resto. Os ingênuos adeptos, com certeza, têm a consciência de ser os chamados “bois de piranha”, aqueles mesmos a pular no vazio em sequência ao animal tresloucado. O Brasil merece aquilo? Enrolar-se a bandeira nacional sobre o torso de um magote de inocentes babando sob os pés de um deus feito homem?  No meio do todo, aqueles insensatos sacrificados nem hão de reclamar, porque já enterrados em cova rasa e sem velório. Acreditavam que, como o chefe, tinham o corpo fechado e imune à desgraça consumada. Despiram-se. Pelados, enfrentam o solo gelado, como no filme, e partem para um destino anônimo, este sim desatinado e sem romantismo qualquer. Não se lhes fará poema qualquer. O bicho passa e os leva, numa espécie de cerimônia sinistra. Não precisa procurar, pois a oferenda é nababesca.  Vai-se, devidamente saciado. Quanto ao remanescente, em sobrevivendo, haverá quem o justifique, porque o teria feito pelo bem da nação. O país é grande. Algumas vítimas imprudentes servirão de exemplo ao retempero da pátria. Entusiasmados, os defuntos reagiram ao convite à solidão, exibindo-se à luz do dia. O futuro, para eles, não existe. Carpe Diem. Ver-se-á!

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