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A REVOLUÇÃO QUASE ESQUECIDA

 

Roberto Delmanto

A Revolução Constitucionalista de 1932, momento maior da história paulista, com o passar dos anos vem sendo esquecida. Os jornais jogam as notícias a seu respeito para pequenos espaços de páginas secundárias. No último dia 9 de julho, em que o movimento épico completou 88 anos, o “Estado de São Paulo”, em uma página interna, sem chamada na primeira, mencionou um “bunker” existente em Mogi-Mirim. Já a “Folha de São Paulo” não fez qualquer referência à data.

            Quando o ditador Getúlio Vargas, traindo os ideais da Revolução de 1930, recusou-se a outorgar uma Constituição, São Paulo se rebelou. O estopim se deu no dia 23 de maio, quando populares tentaram invadir a sede do partido governista, sendo recebidos à bala. Quatro jovens, dois estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, um comerciário e um menor, caíram mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. As iniciais de seus nomes – MMDC – deram origem à organização secreta que preparou a Revolução.

            Seu início militar ocorreu no dia 9 de julho. Abandonado por aliados de outros estados, São Paulo lutou heroicamente por cerca de três meses. Batalhas sangrentas ocorreram no município de Cunha, vizinho a Parati, de onde vinham as tropas federais. Um dos revolucionários – Paulo Virgínio – foi preso e torturado até a morte sem revelar a posição em que se encontravam os companheiros. Seu nome foi dado à Rodovia Cunha-Parati. Quando a munição acabou, o gênio bandeirante inventou um simulacro de arma – apelidado de matraca – cujo barulho assemelhava-se ao de uma metralhadora, assustando os soldados governistas.

            Os ideais revolucionários atingiram todas as camadas da população paulista: tanto as mulheres ricas quanto as pobres deram suas joias à nobre causa, estas as únicas que tinham: suas alianças de casamento ou de noivado. Jovens menores de 18 anos fugiam de casa para tentar se alistar…

            O emocionante e unânime apoio popular desmente uma das difamações que 32 tem sofrido: a de que teria sido uma revolução das elites, principalmente cafeeira. Outro ultraje restou igualmente desmentido: o de que seria um movimento separatista, pois jamais se ouviu de um só de seus líderes tal propósito.

            Derrotada nas armas, a Revolução saiu moralmente vitoriosa. Em 1934, o ditador outorgava a Constituição Federal e, em 1935, eram promulgadas as Constituições Estaduais.

            Ante o pouco casoda mídia e as infâmias de seus detratores, 32 é lembrado pelo nome de duas das mais importantes Avenidas da capital paulista: a 23 de Maio e a 9 de Julho.

            Junto ao Parque do Ibirapuera, um dos primeiros Viadutos sobre a 23 de Maio tem o nome doGeneralEuclides Figueiredo, último dos revolucionários a baixar suas armas. Defronte ao Obelisco que guarda os corpos dos heróis que tombaram, a estátua de Ibrahim Nobre, promotor público que com sua formidável oratória recebeu o título de “Tribuno da Revolução Constitucionalista”.

            Exilado em Portugal com outros líderes paulistas, Ibrahim recebeu a notícia de que um tribunal de exceção o havia condenado, à revelia, a 30 anos de prisão. Disse, então, a célebre frase que expressava o ideal bandeirante: “Para tão grande fé, tão curta pena”.

            Se Ibrahim foi o tribuno da Revolução, Guilherme de Almeida foi seu poeta. É dele a inscrição da parte externa do Obelisco que, fazendo referência aos combatentes moços que ali jazem, diz:

“Viveram pouco, para morrer bem.

Morreram jovens, para viver sempre”.

No pátio das Arcadas, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no monumento com a luz sempre acesa lembrando seus estudantes, a frase que se tornaria o mais conhecido dos cantos acadêmicos: “Quando se sente bater, no peito a heroica pancada, deixa-se a folha dobrada, enquanto se vai morrer”.

De Guilherme de Almeida são também os versos que traduzem a coragem e determinação dos revolucionários:

“Bandeira da minha terra,

Bandeira das treze listas.

São treze lanças de guerra,

Cercando o chão dos paulistas!”.

            Há 88 anos as lanças da nossa bandeira são de paz. Mas não tenho dúvidas de que se o Estado de Direito Democrático vier a ser ameaçado por uma nova ditadura – como já vem sendo – elas, que continuam a tremular, não hesitarão em, mais uma vez, defender a democracia, desta vez com uma resistência firme, mas pacífica, nos moldes dos exemplos maiores deixados por Gandhi e Martin Luther King Junior.

* em memória dos que tombaram pelos ideais de 32 e do engenheiro civil Elias Machado de Almeida, meu sogro, que integrou a Segunda Diretoria do MMDC e foi um grande idealista.

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