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A VOCAÇÃO VERDADEIRA

 

Roberto Delmanto

Grande parcela dos bacharelandos em direito de hoje não segue a sua vocação verdadeira. Na busca compreensível da segurança econômica, procuram os moços as carreiras públicas, prestando, por vezes, vários concursos indistintamente, todos dificílimos. E o que vemos entre os vencedores de tão árduas batalhas? Juízes com vocação de Promotores, Promotores com vocação de Juízes, Delegados com vocação de Promotores, etc.

         Tais jovens dificilmente obterão sucesso em suas profissões e certamente não serão felizes. Porque o exercício profissional fora da vocação verdadeira será sempre como um dia sem sol, uma noite sem estrelas…

Acredito, por isso, que se a verdadeira vocação não desabrochou naturalmente, devem os novos bacharéis procurá-la no recôndito de suas almas, descobrir qual delas lhes desperta entusiasmo e move seu idealismo.

Aqueles que optarem pela Magistratura, saibam que ingressarão em uma carreira tão difícil quanto nobre, pois o ato de julgar é mais divino do que humano, estando escrito no Livro dos livros: assim como julgares, serás julgado. Se tiverem de escolher entre o legal e o justo, optem, como disse Eduardo Couture, pelo último. E eu ousaria acrescentar: se tiverem de escolher entre serem mais justos ou mais humanos, não hesitem em serem mais humanos, porque a humanidade está mais perto do ideal de Justiça…

Os que abraçarem o Ministério Público, conscientizem-se de que o nome Promotor de Justiça significa Promovedor de Justiça. Orgulhem-se menos das condenações que obtiverem e mais das absolvições que, por imperativo de suas consciências, vierem a pedir. As primeiras serão como medalhas em seus peitos, as segundas, medalhas em suas almas.

Outros que seguirem a não menos nobre carreira policial, saibam que a Polícia é a longa manus do Judiciário. Sem sua atuação eficaz o Ministério Público não pode bem formar a sua opinio delicti e intentar as necessárias ações penais públicas. Fujam, entretanto, de dois grandes perigos dessa carreira, resultantes de suas enormes atribuições em nosso sistema legal: a corrupção e a violência. O homem que se corrompe perde o que tem de mais precioso: o respeito por si mesmo. Já quanto à violência e à tortura, eu diria, parafraseando o jurista português Germano Marques da Silva, que elas degradam mais quem as pratica do que quem as sofre.

Por fim, os que seguirem a advocacia, estejam certos de que terão optado por aquela que Voltaire considerava “a mais bela das carreiras humanas”. Porque nela, um seu semelhante lhes confia a defesa de seus interesses, interesses esses que, mesmo quando aparentemente apenas econômicos, representam por vezes anos de luta e trabalho, todo o esforço de uma vida…

E os que, na advocacia, escolherem a advocacia criminal,acreditem que terão abraçado aquela que, parodiando Voltaire, eu diria ser a mais bela especialidade da mais bela carreira humana…

Nela, lhes é confiada a defesa da liberdade e da honra, os bens mais preciosos de um ser humano além da saúde e própria vida. Sobre a honra, escreveu Shakespeare ser “a primeira jóia do coração do homem”; e quanto à liberdade, disse certa vez o tribuno paulista Américo Marco Antonio que “esse bem supremo, tudo merece, tudo desculpa…”

Embora a mais bela, ela é, todavia, a mais árdua das especialidades: o criminalista não forma ao longo dos anos, como os colegas civilistas, uma clientela, pois seus clientes, em geral primários, dele só costumam precisar uma única vez; sua atuação é geralmente mal compreendida, confundindo-se sua pessoa com a do acusado que defende. Só é verdadeiramente entendido e aceito, quando dele se necessita. E, na minha estatística pessoal, eu diria que, de cada três famílias brasileiras, uma, durante sua existência, precisará de um advogado criminalista para representar um de seus membros, como acusado ou vítima.

Mas quem melhor sintetizou essa tão bela quanto árdua especialidade foi o saudoso advogado criminalista carioca Antonio Evaristo de Moraes Filho, que, com invulgar inspiração, afirmou: “… temos o dever de prosseguir na batalha em defesa de nosso mais importante cliente: a liberdade individual. Sabemos que no desempenho desta missão, quer nos regimes totalitários, quer nas democracias, os espinhos sangrarão nossos pés durante a caminhada. Nas ditaduras descerá sobre nós o ódio dos senhores do poder, por defendermos os ‘inimigos da Pátria’. No Estado de Direito Democrático, por ampararmos os odiados, acabaremos por partilhar com nossos clientes o opróbrio da opinião pública. De qualquer forma, não devemos desanimar, mesmo porque a história tem sido generosa conosco…”

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