Sobre Evandro Lins e Silva e seus julgamentos

Ou

“Esqueleto”

(Crônica de Roberto Delmanto)

 

 

 

 

 

 

 

Cameraman e Editor: Diego da Costa

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ESQUELETO

 

Roberto Delmanto

 

A filha de um importante industrial fluminense estava se afogando em Ipanema, no Rio de Janeiro, quando um homem rapidamente entrou no mar, nadou com largas braçadas e a alcançou, trazendo-a com vida à praia.

Exímio nadador, era um jovem alto e muito magro, cujas costelas apareciam, tendo, por isso, o apelido de “Esqueleto”. Humilde e de pouca instrução, passou a ser protegido pelo pai da moça, que lhe ficou eternamente grato. Sempre que “Esqueleto” precisava de algo – um emprego ou um auxílio financeiro – o industrial o socorria.

Mas “Esqueleto” tinha uma particularidade: odiava seu apelido. E um vizinho, para provocá-lo, não deixava de assim chamá-lo, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sempre que o encontrava.

Certa manhã, depois do vizinho ter, pela enésima vez, o chamado de “Esqueleto”, resolveu se vingar. Arrumou um bom pedaço de madeira, colocou um prego grande em uma das extremidades e aguardou em uma esquina que o vizinho, ao regressar do trabalho, por ali passasse. Quando este apareceu, desferiu um certeiro golpe em sua cabeça, matando-o instantaneamente.

Não fugiu do local, sendo preso em flagrante e levado a uma Delegacia. De lá, telefonou para o industrial, pedindo ajuda. Este mais uma vez o auxiliou, contratando para defendê-lo ninguém menos do que Evandro Lins e Silva, um dos maiores criminalistas do século passado.

Durante a instrução do processo, a frieza e a premeditação de “Esqueleto” foram confirmadas, e sua defesa parecia impossível.

No júri, após a contundente acusação do Promotor e a dura fala do Assistente do Ministério Público, foi dada a palavra a mestre Evandro.

O grande tribuno iniciou sua fala com as saudações de praxe: “Exmo. Sr. Presidente, ilustre Dr. Promotor, digno Assistente do M. Público”… Após uma pausa, repetiu a mesma saudação, e, depois, uma terceira vez. O juiz, estranhando a repetição, disse-lhe que podia iniciar sua defesa, pois já estavam devidamente saudados.

Evandro, impávido, tornou, entretanto, a repetir, pela quarta vez, aquela saudação. O juiz, irritado, interrompeu-o antes que terminasse, dizendo: “Dr. Evandro, não estou entendendo sua atitude. O senhor, um advogado dos mais eminentes, está brincando conosco? Por favor, comece imediatamente a sua defesa”.

O mestre, mantendo absoluta calma, como se nada de anormal estivesse acontecendo, passou a repetir, pela quinta vez: “Exmo. Sr. Presidente…” O juiz, já descontrolado, de novo o interrompeu, ameaçando-o: “O senhor vai me obrigar a declarar o réu indefeso e prendê-lo por desacato”.

Aí, Evandro falou: “Agora já posso começar a minha defesa. Vejam, srs. jurados, o Juiz Presidente que me conhece há mais de vinte anos, com quem fiz dezenas de júris, depois de provocado por cinco minutos – contei no relógio – está querendo me prender. Imaginem, então, este pobre acusado, caçoado anos e anos em público pela vítima, que não cansava de chamá-lo de “Esqueleto”…

Com essa brilhante estratégia o saudoso mestre logrou desclassificar a acusação para homicídio privilegiado, ou seja, impelido por relevante valor moral, reduzindo a pena de um terço…

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