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SOBRE APARTES, ROSAS, DESMAIOS E TORTURAS

 

Roberto Delmanto

         Oscar Pedroso Horta, Américo Marco Antonio e Dante Delmanto, meu pai, foram três criminalistas que pontificaram no Tribunal do Júri de São Paulo em meados do século passado. Ao seu lado, também brilhantes, J.B. Viana de Moraes e Esther de Figueiredo Ferraz.

Dante e Oscar foram adversários em júris memoráveis. Em um deles – ocorrido ao tempo em que talão de cheques se chamava livro de cheques - meu genitor defendia um rico industrial que se apaixonara por uma jovem cujo irmão era um conhecido estelionatário. Depois que o industrial e a jovem se tornaram amantes, ela e o irmão passaram a explorá-lo ao máximo, até que o industrial, cansado dos abusos de ambos, parou de dar-lhes dinheiro. A amante, então, o abandonou. Inconformado, o industrial tentou por várias vezes, sem sucesso, a reconciliação.

Certo dia, armado de um revólver, postou-se nas imediações do cabeleireiro que a ex-amante frequentava, aguardando sua saída. Avisada do que ocorria por uma das funcionárias do salão de beleza, ela saiu correndo pela rua. O industrial foi atrás, atirando sem êxito em sua direção. Um guarda civil que por ali passava atracou-se com ele, tentando arrebatar-lhe a arma, ocasião em que esta disparou, atingindo-o mortalmente.

Orientado por Dante, o industrial doou à viúva do guarda civil uma casa e garantiu aos filhos menores uma pensão alimentícia até que atingissem a maioridade. Denunciado e, depois, pronunciado por homicídio contra o policial e tentativa de homicídio contra a ex-amante, a viúva do guarda civil, em razão da ajuda recebida, deixou de habilitar-se como assistente do ministério público. Já a ex-amante, com o dinheiro obtido do industrial durante o tempo em que conviveram, contratou ninguém menos do que Oscar Pedroso Horta para auxiliar da acusação.

No júri, a certa altura de sua fala, Oscar, orador eloquente, disse: “Na época da minha mocidade, quando um homem ia encontrar-se com sua amada, levava-lhe um buquê de flores, um vidro de perfumes ou um livro de poesias”. E, apontando para o réu, acrescentou com a voz sonora que o caracterizava: “Este, senhores jurados, levava uma arma”. Foi aí que Dante deu-lhe um aparte histórico: “É engano de V. Exa.. Meu cliente levava um livro”. E, após uma breve pausa, arrematou: “Um livro de cheques, que era do que sua cliente mais gostava…”

Em outros júris, Oscar e Dante ocuparam juntos a tribuna da defesa. No dia seguinte à vitória obtida em um deles, Dante recebeu em sua casa três dúzias de belíssimas rosas vermelhas, conhecidas pelo nome de “príncipe negro”. O remetente era o colega e amigo Oscar e, no cartão, estava escrito: “Um homem não deve mandar flores para outro homem. Mas um admirador pode fazê-lo…”

Tempos depois, no auge da fama, Oscar defendia, com o costumeiro brilho, outro acusado de homicídio. Sua tese era a da legítima defesa da própria vida, o maior de todos os bens humanos.

Findos os debates, já na sala secreta, os vários quesitos da excludente vinham sendo respondidos com folga a favor da defesa. Quando chegou a vez do último deles, que indagava se o réu usara moderadamente dos meios necessários para defender-se, a votação revelou-se dramática: a primeira cédula foi sim, a segunda, não, e assim sucessivamente, até que a contagem chegou ao empate de três a três. Nesse instante, Oscar desmaiou. Não se tratava, obviamente, de qualquer simulação, mesmo porque a sétima cédula já se achava depositada na pequena sacola de votação, não podendo ser mudada.

Atendido pelo médico de plantão no Fórum Criminal e recuperado do desmaio, procedeu-se à leitura da última cédula, que, merecidamente, foi favorável à defesa. Oscar, que certa vez comparara os advogados de júri aos gladiadores da antiga Roma, que para sobreviver derramavam o próprio sangue, decidiu, então, não mais participar de julgamentos populares. Foi o canto do cisne do grande tribuno. Ou melhor: de um cisne branco

Após alguns anos, deixava de vez a advocacia criminal. Entrando para a vida pública, foi Secretário da Justiça e Ministro da Justiça nos Governos de Jânio Quadros. Eleito, depois, Deputado Federal pelo antigo MDB, sempre que era informado pelos ex-colegas criminalistas de torturas- o mais hediondo dos crimes contra os direitos humanos- praticadas durante a ditadura militar, com coragem, as denunciava da tribuna da Câmara.

 

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