Ricardo Antunes Andreucci morreu

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

         Este velho escrevinhador acordou mal. Faz frio nesta cidade de São Paulo, às 15h47 do dia 21 de junho de 2021. É inverno? Se não for, o sol foi embora. Já usamos um agasalho qualquer. O Paulo Sérgio não parou de trabalhar fora de casa, protegendo-se, é verdade, mas num compromisso desafiador. Estava pensativo. Dos dois lados da residência a lhe servir de escritório vem o barulho de martelamento, porque vizinhos reformam suas casas. Este escriba está com as duas mãos nos bolsos do paletó, apertando os punhos, porque acaba de receber um telefonema, hoje não muito frequentes. A pandemia assusta clientes, cala os juízes, abafa problemas diversos e a própria vitalidade nesta cidade violenta. Um avião passa por cima do teto, fazendo barulho tradicional. O escrevinhador pensa – ou pensava – no comandante, fechado naquela cabine estreita, rodeado de instrumentos e ladeado por outro condutor. O piloto usa máscara, parecida com aquela a espremer as minhas narinas e dificultar respiração, o mesmo fenômeno a irritar, lá em cima, o humor de quem empurra o transporte pelo céu. Cada qual tem seus pensamentos particulares, uns em preparação ao desembarque, outros e outras pensando no que hão de fazer quando chegarem. Lucas Andreucci, meu ex-assistente, hoje amadurecendo na especialidade, acaba de me dizer: “- Chefe, meu vô Ricardo morreu.”. Aquilo não precisa de sobrenome, porque é o Ricardo Antunes Andreucci, aquele mesmo que 20 anos atrás estava internado numa Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital próximo, amigão nosso sim, ficou dentro do centro cirúrgico, nós aqui fora, um ou outro descrente de Deus mas amigo de Nossa Senhora, rezando para o Ricardo Andreucci escapar. E ele não se foi não. Continuou por aqui, mais uns 20 anos depois, vivendo existência calma e desfrutando de uma paz possível com as filhas, a mulher e os netos. Eu sabia dele pelo Lucas. Só. Eu o conheci pela primeira vez nos corredores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, festejadíssimo professor das Arcadas, repleto de amigos e de discípulos. O mesmo Ricardo Antunes Andreucci que tentou, sem êxito, colocar o Paulo Sérgio como desembargador ou coisa parecida num dos tribunais deste Estado de São Paulo, Ricardo que dava aulas de pós-graduação na academia enquanto o escriba, um andar acima, ficava a escutá-lo – ou apenas a vê-lo –, porque, um simples rábula, não lhe podia frequentar o curso. Compartilhamos juntos o Conselho da Secção de São Paulo da OAB. Fundamos o “Jornal do Advogado”, brigamos pela redemocratização do País, conversamos muito, ele, eu e Sergio Marcos de Moraes Pitombo, um trio bem ajustado e muito risonho, nunca voltado à zombaria. O tempo passou, Ricardo meteu uma “ponte” no coração, bem posta sim. O artefato lhe agilizou o peito outros 7300 dias, respeitadas as incertezas ocasionais. Lucas me disse que o avô, há três semanas, realizou um repasse no coração. Tinha amor demais na alma. Acabou-se. Ou começou de novo. Vai haver uma cerimônia restrita, mas vai haver.

         Ricardo Antunes Andreucci conservava amigos muito chegados, todos, mas eu sempre disputei, quieto, dose significativa de amizade. Ele começara a vida profissional com Waldir Troncoso Peres, aquele mesmo que abrilhantou durante anos o Júri de São Paulo e do Brasil inteiro. Nós o fortalecemos dentro da toga, pois aquela vestimenta era reservada aos melhores. Algumas pessoas ou alguns criminalistas precisam vestir aquele manto, se advogados forem. Torcemos para que eles vivam bastante, preservados das intempéries trazidas pelas defesas criminais. De qualquer forma, o destino mantém um grupelho sobrevivendo até que chegue a vez de cada um, restando, no entretempo, a tarefa sofrida de chorar a partida do confrade. Morrer é fatal. Ricardo teve sua hora. Ela chega sempre. Oremos!

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