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O DEPUTADO

Roberto Delmanto

O verdadeiro sonho do competente, dinâmico e falante executivo era entrar para a política. Mais precisamente, tornar-se deputado federal.

Tendo se desligado de uma concessionária de veículos, da qual era diretor, achou que, ao invés de buscar um novo emprego, seria o momento ideal para iniciar-se na vida pública. Para bancar sua eleição, fizera durante anos uma considerável poupança.

Filiou-se, então, a partido ligado a uma igreja evangélica, embora ele mesmo não fosse desse credo, e candidatou-se à Câmara Federal, começando sua campanha com enorme entusiasmo.

Nessa ocasião, passou, entretanto, a ter problemas criminais. A concessionária da qual fora diretor, após sua saída, por problemas financeiros deixou de entregar inúmeros carros cujo pagamento já recebera. As vítimas dirigiram-se, em grande número, a Delegacias de Polícia que instauraram diversos inquéritos.

Contratou-me como seu advogado e passei a acompanhá-lo aos Distritos Policiais, demonstrando que, apesar de ainda não ter sido registrado na Junta Comercial, seu desligamento da empresa estava documentalmente comprovado. De outra parte, não haveria, nem em tese, estelionato, pela ausência do dolo antecedente, indispensável ao tipo penal, tratando-se, na verdade, de uma questão civil de descumprimento de obrigações.

Embora o constrangimento fosse evidente, o executivo não perdia o entusiasmo. Nas idas à polícia, inclusive durante viagens para fora de São Paulo, falava constantemente ao celular com assessores e correligionários. Nessas ocasiões, se portava como se já tivesse sido eleito e assim se intitulava: “aqui é o Deputado X”; “avise o prefeito que o Deputado X estará com ele amanhã cedo”; ‘diga ao pastor que se encontre com o Deputado X hoje á noite”; etc…

Contando com o apoio das numerosas igrejas ligadas ao seu partido, achava que teria, com certeza, bem mais do que os 40.000 votos necessários, segundo seus cálculos, para eleger-se pela legenda e seu otimismo aumentava a casa dia.

Apurada a eleição, teve apenas cerca de 9.000 votos. Telefonou-me desconsolado, perguntando se os demais advogados e os funcionários do meu escritório tinham votado nele. Respondi-lhe que achava que sim, pois eu havia recomendado com ênfase seu nome a todos.

Falou-me, então, que estava pensando em pedir uma recontagem dos votos. Desaconselhei-o, pois tal solicitação só teria sentido se ele tivesse tido poucos votos a menos do que o necessário, e não uma diferença tão grande, de 9.000 para cerca de 40.000…

Conformado, deixou de pedir a inútil recontagem, dizendo-me que iria procurar um novo emprego, pois gastara na eleição todas as suas reservas.

Não sei se desistiu do sonho de tornar-se deputado federal, mas, em compensação, para seu consolo, todos os inquéritos contra ele instaurados foram merecidamente arquivados…

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