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Dante Delmanto

 

As ditaduras do Estado Novo e militar

Roberto Delmanto*

 

            Meu pai atuou na advocacia criminal de são Paulo durante mais de cinquenta anos. Por sua ética no trato com juízes, promotores, colegas, clientes – fossem acusados ou vítimas – e suas famílias, sempre os respeitando em sua dignidade humana, era chamado de “O príncipe dos advogados criminais”, como está inscrito em seu busto no antigo I Tribunal do Júri paulistano.

            Deputado Constituinte paulista mais votado em 1935, com apenas 28 anos de idade, foi cassado pela ditadura getulista, que fechou o Senado Federal, a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas, e destituiu os Governadores, nomeando interventores em todos os Estados.

            Tal episódio só veio a fortalecer sua crença na democracia, na liberdade individual e nas liberdades públicas, o que viria pautar sua vida profissional. Durante o Estado Novo defendeu dezenas de acusados perante o Tribunal de Segurança Nacional, sediado no Rio de Janeiro, que julgava desde acusados de subversão até de crimes contra a Economia Popular. Para fazer suas defesas, costumava ir à então Capital Federal no trem noturno da antiga Companhia Paulista.

            A polícia política daquela fase sombria nada ficava a dever, segundo ele, às atrocidades da posterior ditadura militar. Foi nessa época que Sobral Pinto entrou para a história da advocacia criminal quando, depois de ver negados todos os seus pleitos em favor de um cliente, torturado no cárcere, invocou em seu favor a Lei de Proteção aos Animais. Foi também nesse tempo que o Supremo Tribunal Federal, em uma página inglória de sua gloriosa existência, autorizou a extradição para a Alemanha nazista de Olga Benário, companheira judia do líder comunista Luiz Carlos Prestes, que estava grávida. Deportada pelo ditador, foi morta em um campo de extermínio.

            Por ocasião do AI5, meu pai já era, há tempos, um dos mais respeitados criminalistas do País. Procurado por familiares de civis incursos na antiga Lei da Segurança Nacional, vários deles presos, defendeu-os perante as Auditorias Militares.

            Os tempos eram dos mais difíceis, embora heroicos para a advocacia criminal: não havia “habeas corpus” e os acusados costumavam ficar detidos durante todo o inquérito policial: quando este era finalmente relatado, por vezes o tempo em que ficaram provisoriamente presos já ultrapassara as penas cominadas aos delitos que lhes eram atribuídos, somente aí sendo libertados…

            O processo penal militar tinha, entretanto, algumas características mais benéficas do que o processo penal comum até recentemente: o interrogatório dos acusados, por exemplo, só era feito depois da oitiva das testemunhas de acusação, o que dava mais amplitude à sua defesa, podendo os réus e seus patronos, após a prova acusatória, melhor optarem pela tese defensiva a ser adotada.

            Encerrada a prova oral, era aberta vista para as alegações das partes. Apresentadas estas, realizava-se a sessão de julgamento, com os debates orais e a prolação da sentença pelo Conselho da Auditoria, composto por um juiz auditor e quatro oficiais, tendo seus votos o mesmo valor.

            O nome do defensor, seu prestígio, reputação, cultura e coragem – que Aristóteles considerava a maior das virtudes, porque é a que garante as outras – eram muito importantes.

            Mas meu pai, justamente nessa época, por problemas cardíacos, embora autorizado a continuar advogando, fora proibido, por ordem médica, de fazer júris, sustentações e defesas orais. O que não o impediu de diagnosticar qual seria a melhor estratégia defensiva para cada caso e implementá-la, participando de toda a instrução judicial nas Auditorias.

            Meu irmão mais velho, Celso, consagrado como advogado brilhante e jurista dos mais respeitados, que escrevia como poucos, não gostava de falar em público. Por isso, as defesas orais de nossos clientes nas Auditorias Militares acabaram ficando a meu cargo, como integrante mais novo do nosso escritório, e eu, com a ousadia característica dos jovens, penso tê-las desempenhado a contento…

            Mesmo depois de ter sido absolvido por decisão transitada em julgado, o ex-acusado ainda podia vir a ser preso e torturado, à revelia da Justiça Militar, caso os órgãos de repressão achassem que tinha alguma informação sobre o paradeiro de alguém que estivesse sendo procurado. A hedionda prática só cessou após a promulgação da Lei de Anistia.

            É imprescindível que as novas gerações, inclusive de advogados, saibam o que ocorreu nas ditaduras brasileiras para que valorizem e defendam a Democracia.

 

*Roberto Delmanto é Advogado Criminalista em São Paulo e filho de Dante Delmanto.

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