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O DEPOIMENTO RASGADO

 

Roberto Delmanto

Meu pai Dante costumava dizer que o advogado, na defesa de um acusado, não devia, via de regra, arrolar parentes deste como testemunhas: tudo que dissessem de bom em favor dele pouco significaria aos olhos do juiz, dado o grau de parentesco; ao contrário, qualquer coisa que falassem em desfavor do mesmo causaria enorme prejuízo, pois, afinal, quem estava fazendo tal afirmação era o próprio parente…

 

Há muitos anos, recém-formado, eu defendia um jovem executivo injustamente acusado de um desfalque. Sua mãe, experiente advogada, que tentara antes, sem êxito, fazer um acordo com a ex-empregadora do filho, insistia em ser sua testemunha de defesa e, eu, dada sua insistência, acabei por arrolá-la.

 

A prova testemunhal de acusação foi colhida e correu otimamente para o executivo.

 

Designada audiência para a oitiva das testemunhas de defesa, propus à mãe desistirmos do seu depoimento, mas ela, muito insistente, fez questão absoluta de depor.

 

No início, se saiu bem em suas declarações; mas, em dado momento, a uma pergunta do juiz, dominada pela emoção, acabou falando uma “bobagem” que, literalmente, condenava o filho… Ela logo caiu em si, percebendo o erro que cometera.

 

Nas minhas reperguntas, tentei consertar o “estrago” e obter dela uma retificação do que dissera, mas o magistrado indeferia as indagações, alegando que a questão já tinha sido respondida, nada mais havendo que perguntar a respeito.

 

Como eu insistisse, criou-se um incidente e o juiz resolveu suspender a audiência, deixando para continuá-la no fim do expediente, depois de realizar todas as outras.

 

A mãe aflita, o filho aturdido e eu preocupado aguardamos, então, pacientemente, no corredor da Vara.

 

Já eram mais de 18 horas, quando o juiz me chamou. Para minha surpresa, revelando seu lado humano, disse-me que também tinha um pai idoso que, às vezes, falava inconveniências e, aí, me propôs: “Doutor, o senhor foi muito imprudente em arrolar a própria mãe do rapaz. Mas eu vou lhe dar uma chance: o senhor desiste da oitiva dela e nós rasgamos o depoimento”.

 

Imediatamente aceitei a generosa oferta, e as fatídicas declarações, à época datilografadas, mas ainda incompletas e sem qualquer assinatura, foram, então, na frente de todos, rasgadas pelo magistrado…

 

Ele ainda se deu por impedido para continuar presidindo o processo e o acusado acabou sendo absolvido por outro juiz.

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