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A iraniana será morta – Lula pediu em vão (Salve-se o advogado)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
A iraniana será morta
Lula pediu em vão
(Salve-se o advogado)


O desdobramento do caso da iraniana condenada à morte por apedrejamento tem, agora, consequências dramáticas no Brasil. O metalúrgico Lula, entendendo que os iranianos abraçam os brasileiros, julgava que o prestígio e proteção outorgados àquele país na questão do enriquecimento de urânio constituiria carinho suficiente à obtenção de uma sorte qualquer de retribuição. Enganou-se. Sua oferta de asilo à condenada foi havida como “reação emocional” pelos encarregados, no Irã, da política internacional. Em desdobramento, entidades defensoras de direitos humanos asseguram que Lula precisa demonstrar concretamente nenhuma intenção eleiçoeira no incidente. Paralelamente, a diplomacia brasileira argumenta, segundo consta, no sentido de não se discutir publicamente possível punição, pela ONU, de países dados a sistemas ditatoriais. Há, é óbvio, contradições na posição brasileira: o metalúrgico deixou à mingua os cubanos esmaecidos que protestavam, em greve de fome, contra o governo local, sabendo-se que um deles morreu depois de rejeitar alimento durante quase três meses. O presidente brasileiro teria dito: “A greve de fome não pode ser um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em SP entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”. Já em Honduras, a embaixada brasileira abrigou por meses o caudilho, mais respectivo séquito e chapelões, não faltando, com certeza, o violão, pois os latinos em geral são capazes de largar a mulher fora de casa mas não suportam a falta do dedilhar naquele instrumento medieval.

Relativamente ao Irã, insista-se, Lula da Silva entendeu poder abraçar, penalizado da condenada a apedrejamento, o colega iraniano. Deveria ter percebido que a cabeça dos aiatolás é tão complicada quanto o nome deles. Deu no que deu. Foi taxado de “emocional”, sendo criticado por interferência nos assuntos internos daquele país. O Irã tem por hábito punir o adultério com a morte por lapidação. Deixara referida punição, mas a acolitou novamente após a revolução islâmica (1979), apossando-se os aiatolás do poder, partindo-se, então, para a recomposição do Estado Teocrático. Aquilo é uma maluquice. Em princípio, não há relação com atividade sexual, mas é bom não esquecer que os herois sacrificados em nome de Alá têm a perspectiva de serem honrados depois, provavelmente em nuvens muito fofas, pelas faladas onze mil virgens. Haja resistência…

Voltando-se à infeliz condenada e suas consequências, o metalúrgico têm vários problemas no regaço: esperava um gesto de solidariedade do iraniano, recebendo entretanto um “chega pra lá” malcriado; precisa explicar porque interfere no Irã depois de comparar os presos políticos cubanos a delinquentes do PCC, acolitando nas camas da embaixada, concomitantemente, cidadãos cobertos pelos “sombreros” e exímios praticantes de salsa. Além disso, Lula deve enfrentar questão não menos relevante, na medida em que o advogado da condenada, também portador de patronímico muito confuso, fugiu para a Turquia, embaralhando-se ali em irregularidades do passaporte. Dentro de tal particularidade, o articulista estranha o silêncio da Ordem dos Advogados do Brasil, explicando-o apenas pelo fato de se tratar de um colegiado submetido a multiplicidade de debates, circunstância a sofisticar as decisões. O cronista, guerrilheiro solitário, é mais rápido, equilibrando-se com a espingardinha de rolha nos galhos de uma árvore e atirando episodicamente sobre passante menos atento. A hipótese pede rapidíssima decisão, em Brasília, do Presidente Ophir Cavalcante. Somos seiscentos e cinquenta mil advogados no Brasil. Um a mais a proteger não faz diferença. Resta saber se Lula, privado de asilar a moça, consegue, a título de substituição, trazer quem a defendeu e não se dispõe a perder o pescoço. O colega deixou a família presa. Parece que a esposa continua encarcerada. Vale, do Itamaraty, um esforço destemido no sentido de concretizar a ideia de asilamento, tudo estimulado pela OAB. Já fizemos isso no passado em circunstâncias muito menos relevantes, estipendiando, aliás, causídicos fugidos daqui. Vale a recíproca. Se a intenção do Presidente Lula quanto à moça foi secundariamente de natureza política, pouco importa. Salvar-se-ia uma vida e se daria ao mundo exemplo de recurso a garantir os direitos do cidadão. Sempre vale a pena. Tocante ao advogado que arriscou a vida, gratuitamente aliás, em favor da condenada, a ajuda é muitíssimo importante. Num sentido bem pedagógico, a proteção não diz com ele, mas com todos aqueles que, no mundo inteiro, sacrificam a liberdade e a sobrevivência em benefício de terceiros. É uma sorte qualquer de martírio, mas há quem o sofra em comportamentos análogos.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

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