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No Senado Federal – Dois projetos pretendem humilhar a advocacia

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
No Senado Federal
Dois projetos pretendem humilhar a advocacia

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Em 1959, ou seja, há 51 anos, meio século mais moço, escrevi tese sintética, em parceria com Waldir Troncoso Peres, sobre o futuro da advocacia no Brasil. Aquele escrito era a previsão do que acontece hoje à profissão de advogado. O país tinha umas trinta e poucas faculdades de direito. Cinquenta anos mais tarde, há cerca de 1015 cursos de ciências jurídicas no Brasil, não se sabendo como, apesar de múltiplas advertências, o Ministério da Educação, por meio de seus órgãos (Conselho Nacional e Câmara de Educação Superior), permitiu tamanho descrédito. Houve, é claro, períodos em que a anomalia assumiu características histriônicas, a exemplo de uma substituta de ministro que, aproveitando período de afastamento deste, também não muito versado, buscou reduzir o curso para 3 anos, a exemplo de instituição de corte e costura. Sob Fernando Haddad, parece que a inflação desnorteada se reduziu, havendo certa dose de fiscalização, mas o mal já havia sido feito. Não se dirá que houve corrupção naquele setor ministerial, mas o fenômeno é extravagante a ponto de não se poder justificar as múltiplas autorizações com argumentos normais. Aconteceu lá, realmente, alguma coisa repugnante, quer por negligência, imprudência ou dolo, sabendo-se que o Ministério Público Federal, muito atento em outros aspectos da decadência moral no país, parece nunca ter posto naquela ferida o dedo indicador, demonstrando-se que a diferenciada instituição persecutória tinha tarefas mais importantes à frente. O Brasil tem agora cerca 600.000 advogados, existindo nas ruelas mais de milhão incapacitado de demonstrar minimamente aptidão no chamado “Exame de Ordem” (não da Ordem, como se diz vulgarmente). Note-se que o bacharel reprovado tem oportunidades várias de repetir a prova de suficiência que, aliás, exige o básico, valendo relembrar que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, a título experimental, realizou exame análogo, com resultados aterrorizantes. Há, realmente, milhares de bacharéis à deriva. Tal filiação deveria ser debitada, sim, ao mesmo Ministério e a alguns ministros que deixaram a advertência passar em branco ou mesmo que contribuíram abertamente para a decadência. Entretanto, a extravagância não parou nisso: tramitam no Senado Federal, no mínimo, dois projetos de lei, um de número 186/2006, outro identificado como 43/2009, o primeiro pura e simplesmente revogando o Exame de Ordem, o segundo atribuindo à União Federal, por meio do próprio sistema de ensino, o planejamento e execução dos exames de avaliação de aptidão ao exercício da advocacia. O autor do primeiro projeto (aquele que simplesmente revoga o exame de proficiência) é um engenheiro, o Senador Gilvam Borges. Em relação ao outro (Senador Marcelo Crivella), sabe-se que é profícuo líder religioso, exercendo, quando não parlamentar, a profissão de bispo, cantor e compositor gospel. Constituem, certamente, dois expoentes da cultura nacional, mas talvez não conheçam as particularidades que levam a advocacia, no momento entrante, a dificílimo parâmetro ético e cultural. Dentro da vertente em discussão, em vez de procurar mais ainda a debilitação da advocacia brasileira, os dois eminentes parlamentares deveriam procurar, nos escaninhos do Ministério da Educação, as causas negras da autorização ao funcionamento de mais de 1000 faculdades de direito no país, certamente um recorde mundial estimulado, alimentado e mantido a poder de não se sabe quantos milagres corrosivos. Se e quando levassem o Senado Brasileiro, por meio das tão decantadas comissões, a investigar o que sucedeu nos subterrâneos daquela instituição, teriam os cultíssimos senadores contribuído verdadeiramente para a moralização do ensino das ciências jurídicas, embora cuidando de casa cujas portas foram arrombadas há muito. Os dois projetos, é claro, não devem ter cunho eleitoral, tratando-se, acredite-se, de iniciativas dedicadas a auxiliar os menos aptos. Entretanto, valeria a pena o repensar, não se acreditando que o Senado Federal e, talvez, a Câmara dos Deputados, deixem passar as duas pretensões ou, quiçá, uma delas submetida a hibridismo. O potencial das entidades que voejaram em torno do Ministério da Educação durante estes anos é imenso. Sabe-se que o próprio Conselho Nacional de Educação foi provido, eventualmente, por membros de uma ou outra universidade interessada. Guardo nos meus arquivos, inclusive, reportagem sobre disputa havida, lá atrás, entre conselheiros representantes de institutos competidores. Preocupada com a notícia correspondente à extinção do Exame de Ordem, a Associação dos Advogados de São Paulo oficiou ao Senador Marconi Ferreira Perillo Júnior, manifestando repúdio ao projeto 186/2006. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Secção de São Paulo e as outras vinte e poucas seccionais devem estar fazendo o mesmo e, se não o fizeram, certamente hão de cumprir o dever moral de advertência sobre os males já causados e sobre outros, muito piores, a surgirem em futuro próximo, se e quando a pretensão seguir adiante. Do meu canto, continuo cumprindo minha tarefa solitária.

*Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos

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