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José Eduardo Loureiro morreu

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
José Eduardo Loureiro morreu


Conversava ontem, 30/08/2010, com o criminalista Rubens de Souza, o “Rubinho”, sobre o fenômeno da sobrevivência. Vão-se uns e outros e nós, cada vez mais entristecidos, comparecemos às cerimônias fúnebres, por afeto e obrigação porque, no final das contas, morrer é fatal. Chega a vez de todos, embora aquele que ainda não foi sinta, de certa maneira, uma ridícula sensação de perenidade. É esquisito, mas é assim.

Escrevo enquanto me preparo para ir ao enterro de José Eduardo Loureiro, meu amigo, e muito, desde antes de 1985, quando presidiu a Secção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, numa das melhores gestões que a Corporação teve.

José Eduardo era exímio jurista. Tinha um comportamento extremamente discreto, o que não o impedia de fazer o outro sorrir a poder de uma tirada engraçada, enquanto cofiava o bigode sempre bem aparado. Fumava bastante e fumou, creio, até partir.

Dizia-se na Ordem dos Advogados, na qual fui Conselheiro durante a gestão de Loureiro, que o bastonário era “mão-de-vaca”. Íamos às reuniões do Conselho Federal da OAB com recomendação de hospedagem em hotel “três estrelas”. O presidente não tinha o mínimo apreço pela alimentação. Dizia que o dinheiro da Ordem dos advogados era sagrado e havia muita gente querendo nosso cargo. Fazia tais afirmativas a título de meia brincadeira, mas cumpria a determinação.

Certa vez, ainda enquanto o Brasil se recuperava da ditadura, eu quis convidar Hebe Bonafini (La Madre de Plaza de Mayo), a nos visitar. Aquilo constituía um desafio sério aos restos do autoritarismo brasileiro, não se sabendo exatamente o que viria a seguir. José Eduardo Loureiro, com o característico tique de acariciar o bigode, apenas disse: “ – Você é maluco, mas traga a moça. Precisamos dela”. Bonafini esteve conosco sim, deixando com Loureiro, ainda em seus guardados com certeza, o “pañuelo blanco”, símbolo da luta das madres argentinas pelo asseguramento da democracia naquele país. Lembro bem de Hebe. Convidada a jantar com o governador naqueles dias, recusou a oferenda, preferindo encontrar os estudantes universitários.

Lá atrás, mas bem depois, faz muitos anos, visitei José Eduardo no hospital. Encontrei-o sentado à beira do leito, incomodadíssimo por não poder tragar seu inseparável cigarro. Havia superado um problema físico qualquer. Disse-lhe: “ – Você é bem de vida (todos sabiam). Sai daqui e aproveite o que puder, porque você e ‘Dilu’ merecem”. Não sei se o aconselhamento valeu, mas José Eduardo Loureiro começou a viajar bastante, sempre de navio. Tinha pavor de avião, circunstância a trazer problemas nos congressos da OAB. Aproveitou, sim, singrando mares e mares com a fidelíssima companheira. José Eduardo se habituara a morar num casarão exibindo algumas torres. Fui lá duas ou três vezes. Afirmava-se que seu pai havia trazido a planta de uma região qualquer da Inglaterra, reduzindo as dimensões mas mantendo a sintonia original. Parece-me que nunca saiu de lá. Preservava as tradições da família.

Conhecendo-o de perto, embora afastados fisicamente, bem sei: como todos nós humanos, a vida lhe cravou espinhos doloridos, mas lhe deu, em contrário, muitos dias de alegria. Decidido a ver um bom pedaço do mundo, achou-o. Foi acarinhado pelos filhos e recebeu, também, muito afeto da “Dilu”, dos amigos e dos advogados que vão ao cemitério para a despedida final. Tocante aos remanescentes, basta dizer que se vai mais um. Quem sabe um a mais seja demais.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

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