Home » Ponto Final » Violação de privacidade (Entre Dilma, Serra, Marina e Plínio)

Violação de privacidade (Entre Dilma, Serra, Marina e Plínio)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Violação de privacidade
(Entre Dilma, Serra, Marina e Plínio)


Ao cronista repugna qualquer proselitismo político. Mudo de assunto. Confesso ter sido educado dentro de pressupostos machistas, circunstância absolutamente natural a quem nasceu nos idos de 1935, época em que os homens só usavam meias e camisas brancas. Qualquer imprudência no uso de outras cores já provocava olhares zombeteiros e comentários desairosos à masculinidade do infeliz. Nesse contexto, a ideia de presidente da república do sexo feminino me trouxe, em princípio, desconforto inconsciente, pois os psicólogos dizem que o menino de hoje é o homem de amanhã. Afirma-se também, em raciocínio lateral, que a genética se ajusta à realidade social. Portanto, deve estar havendo em mim alguma alteração advinda da comunidade, pois as mulheres ocupam posição igual, se não superior, àquela tradicionalmente deferida aos companheiros do sexo masculino. Digo, de outra parte, que tenho uma profunda admiração por algumas, com predomínio da minha, sem a qual estaria correndo sério risco de desequilíbrio. Isso, explique-se melhor, não me conduziu a dividir as tarefas da casa, tirar os pratos da mesa, lavar talheres ou, quando mais moço, trocar as fraldas das crianças. Admito a tentativa mas naquele tempo não havia roupas íntimas descartáveis para bebês. Usavam-se alfinetes muito perigosos. Não me deixavam higienizar minha filha Paula Bajer, hoje emérita e respeitadíssima Procuradora da República em atuação. Classicamente, mantenho ainda tais antigos padrões, fazendo-o como os predadores selvagens. Por exemplo, os leões costumam mandar nas tocas. Critico-os, é óbvio, também na preguiça que eles têm e eu não tenho. As leoas saem à caça e eles são os primeiros a degustar a carne. Isso não se faz…

Voltando-se à igualdade entre homens e mulheres, estas são diferentes, nunca inferiores. São mais delicadas, têm órgãos internos mais complexos, abrigam nos ventres filhos gerados em comum e, até mesmo num sentido de evolução científica, sequer precisam efetivamente dos homens para a inseminação, antecipando a época em que as fêmeas se transformarão em seres autossuficientes, ou ambivalentes. Vai acontecer, se o mundo não explodir.

Perceba-se meu grau de perplexidade, ou minha confusão enquanto macho velho viciado em pressupostos nem sempre corretos. Há mulheres candidatas à presidência da república e existe, de outro lado, resistência acirrada de homens. Tocante às qualidades femininas, não há, objetivamente, restrição a fazer, cumprindo ao leitor, se e quando nascido no primeiro terço do século passado, um bom exame de consciência para se livrar da educação obtida ou, em alternativa, uma consulta a psicanalista da nova geração. Prende-se o confronto, então, ao presente, passado e futuro do país, sendo preferível o exame do que vem acontecendo no entreato das eleições presidenciais. Admito, no particular, que me classifico como quase anárquico. Desenvolvi-me num período abarcado pela Constituição de 1946. Sou um liberal clássico. Acredito que o cidadão vem em primeiro lugar. O Estado chega depois, não o inverso, sabendo-se que o brasileiro, na atualidade, embora obtendo a libertação da ditadura implantada em 1964, é submetido a uma escravização pior ainda, na medida em que o acuam na extorsão tributária especializada em vigiar os piores ou menores movimentos, isso sem qualquer menção à violação da sua intimidade em todos os aspectos possíveis, transformando-se o pseudo Estado Democrático num espião com os olhos nos buracos das fechaduras de todos os lares, envolvendo-se nisso, como sujeitos passivos, inocentes e culpados. Costumo dizer, a propósito, que se o interessado tiver dez minutos e uma boa possibilidade eletrônica, pode criar problemas ao opositor mas, se dez dias obtiver, é capaz de destruir a honra, a dignidade, a boa fama e qualquer outro atributo positivo do adversário. Assim, não gosto do que vem acontecendo e tenho um profundo desprezo por Estado-Nação especializado, nisso concorrendo parte do Poder Judiciário, em cutucar a privacidade do cidadão, mesmo do suspeito, expondo-o à visitação pública, para tanto auxiliado por significativa porção da imprensa. Assim, postos em ponto branco os atributos da candidata acolitada pelo governo vigente, tenho muito medo de as coisas continuarem a evoluir em pior sentido, com prejuízo enorme da chamada classe média, aquela mesma que não tem como se defender e tem muito a perder, corporificando a denominada “burguesia”. Note-se: o pobre se conforma com a bolsa-família e o rico se resguarda com profícua eficiência.

Entenda-se, ao fim, a angústia do eleitor: sofre na carne, principalmente quando intelectualizado, o assédio babujante das fauces de um monstro a lhe perscrutar os menores recantos da privacidade, expondo-a insolentemente sem qualquer resguardo ético; o perseguido não tem condição de defesa, quer quanto à manutenção do segredo atinente à roupa de cama, quer mesmo quanto às múltiplas pretensões de resguardo de seu recato, sabendo-se que todo homem ou mulher, sem exceção qualquer, “procurando bem, tem suas perebas, até a bailarina as tem” (paráfrase constituindo o único ponto em que divirjo de Chico Buarque e Edu Lobo – v. Dança da Bailarina). Vale a pena terminar com um trecho de canção posta no mundo por Bebel Gilberto “Não tenho medo do mundo”. Mas tenho pavor de Dilma. E do Serra, igualmente. No fim, receio que todos prossigam nessa tarefa infame de submeter o cidadão à violência representada pela satânica vigilância sobre cada qual, transformando-se a autoridade em alguma criatura onipresente na concretização da censura e no desvestimento das intimidades. É bom comentar, sinteticamente, a responsabilização, na Inglaterra, de “premiê” que incentiva a imprensa a interceptar clandestinamente os telefones, correspondência e comunicações eletrônicas de terceiros. Aquela autoridade responde a investigação severa.

Aqui, a abertura do segredo do imposto de renda da filha de um dos candidatos é episódica. Sai nas águas. É preciso saber quem é responsável por aquilo, mas o Estado, enquanto censor, tem feito muito mais na rotina do espiolhamento. E não há quem reclame…

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

Deixe um comentário, se quiser.

E