Home » Filmes Jurídicos » Violação de privacidade

Violação de privacidade


Violação de privacidade
(The Final cut – 2004)


Lucas Andreucci da Veiga

Uma discussão sempre presente no meio acadêmico e nos tribunais do país diz com a proteção à intimidade do cidadão, principalmente ante a permanente vigilância estatal invasora da esfera do indivíduo, na incessante busca pelo desvendamento dos segredos de cada qual. A sofisticação dos meios eletrônicos e digitais usados pelo Estado – e até mesmo pelos particulares – no espiolhamento do alheio tornam a vida privada vítima de incessantes invasões perpretadas por terceiros, autorizados ou não pela lei e pelo Judiciário, mas muitas vezes extrapolando os limites do razoável. Não se discuta a legalidade das autorizações concedidas para a interceptação das conversas telefônicas ou violação de sigilos bancários, mas sim a paulatina perda da privacidade pela exposição dos segredos a quem quiser conhecê-los. “Violação de Privacidade”, dirigido pelo fotógrafo jordaniano Omar Naim e com Robin Williams no papel principal traz à discussão tal questão e outras mais.

O filme se passa em tempo futuro indeterminado. Pessoas têm implantados em seus cérebros chips orgânicos “zoe” gravando tudo aquilo que vem durante a sua vida desde o nascimento (ou da data de implante do chip) até a morte. Ocorrendo o passamento do indivíduo, o conjunto de informações armazenadas no componente eletrônico é então passado ao computador, podendo ser editado na forma de um filme narrando a existência do falecido. Tal trabalho é feito por profissionais, os denominados “editores”, dos quais Robin Williams desponta como expoente na arte da escolha dos melhores momentos – empreste-se aqui expressão amplamente difundida no futebol – a serem exibidos na cerimônia do adeus, tomando o lugar, quem sabe, da missa do sétimo dia. Nessas projeções públicas de “rememórias” vê-se a vida do morto através dos olhos do próprio.

A polêmica surge no longa-metragem quando o protagonista, trabalhando nos registros deixados por membro do alto escalão de importante corporação, descobre que este praticara crime. Vale acentuar que, em sua tarefa, os “editores” suprimem tais passagens e outras indesejáveis de serem expostas ao público, recortando-as do filme final e deixando apenas as boas e alegres lembranças daquele indivíduo. Robin Williams segue tal preceito ético dos profissionais do ramo. A exemplo dos médicos, advogados, psicólogos e padres, sobre eles impera o dever de sigilo do confessionário – mesmo que, no caso, post mortem – quanto às eventuais faltas praticadas no decurso da vida. No entanto, há personagem incrustado nas lembranças do falecido remetendo a desagradáveis recordações do passado do próprio “editor”. Apropriando-se indevidamente da informação, pois esta não deveria ser a fim diverso da produção da “rememória”, ele decide investigar. Além de esclarecer a situação pretendida, o protagonista descobre ser ele próprio portador de chip “zoe”, tornando ainda mais complexa a trama, vez que àqueles exercentes de sua profissão é terminantemente proibido terem aquele componente ligado à preservação das lembranças.

O final talvez deixe um pouco a desejar, assim como a própria condução do filme, mas não se desmereça o objetivo, este plenamente atingido, questionando-se quais seriam os limites para o uso das informações privadas obtidas com finalidade determinada? Haveria total vedação à destinação outra de informações dessa forma obtidas, mesmo que para se comprovar a existência de crime ou facilitar a resolução de questão complexa ainda não elucidada. O que seria moralmente indicado (além de eticamente adequado), se a divulgação de segredo em confiança depositado ou a pretensão à justiça somente possível através de violação de confiança? “Violação de privacidade” não oferece respostas, apenas conduzindo a debates sobre seu conteúdo. Por si só, isso já justifica assistir ao longa-metragem.

Deixe um comentário, se quiser.

E