Home » Crônicas Esparsas » O falador e a memória de minhas putas tristes

O falador e a memória de minhas putas tristes

O falador e a memória de minhas putas tristes

Gatopardo

Há um filme, quem sabe, chamado “Inimigo Íntimo”. Existe o contrário, ou seja, o “amigo íntimo”, quase gêmeo nas tendências, preferências e até antipatias, à maneira dos univitelinos nas comunicações subliminares. É difícil, hoje, isso acontecer aos homens. Vem da adolescência do cronista a lembrança de três irmãos, em idade aproximada, numa escadinha de ano a ano, gerados pela impaciência de pai e mãe na inobservância do método anticonceptivo em voga na época, a famosa “tabelinha” de Ogino-Knaus, sancionada, aliás, por um dos velhos papas da Igreja Católica. Aquele trio fazia tudo junto. Namorava moças amigas parecidas entre si e navegava lado a lado no mar revolto cada qual na sua barca (veleiros sempre têm nome de mulher). Santinha, Maricota e Luizinela, eram os nomes postos nos cascos. Os irmãos eram conhecidos pela implacabilidade quando brigavam. Todos os moleques da redondeza sabiam que nunca se lutava com um só. A agressão individual estimulava o revide tríduo.

Valem o título e as considerações quando se lê a notícia do prêmio Nobel de literatura concedido, ontem, a Mario Vargas Llosa, peruano genial morando na América do Norte e ministrando aulas numa universidade de bom nome. Não se pode pensar nele sem junção com o outro, Gabriel Garcia Márquez, colombiano de nascença e agraciado, lá atrás, com idêntica premiação. Ambos, em certo aspecto, são inimigos íntimos, constando na lembrança do cronista uma confusa história sobre desavença física que tiveram há uns anos, coisa que o infernal “Google” esclarece, para tristeza deste escrevinhador, que acreditava na singularidade das suas sinapses. Bem ou mal, está lá: Garcia Márquez teria metido olhar cobiçoso sobre Patrícia, mulher de Vargas Llosa, aproveitando-se de rusga do casal, provocando no marido reação pública e violenta no átrio de cinema mexicano. Seguramente, os latinoamericanos não costumam usar chifres gostosamente. Não se diria o mesmo, na Espanha, de Paul Éluard que, segundo alguns, teria permitido a Picasso cantar uma de suas mulheres. Pablo, aliás, dizia que aquela proximidade física tivera origem exclusivamente na demonstração, ao amigo, de prezar a companheira deste. No fim, um grande sacana…

Gabriel Garcia Márquez se esconde em Cuba, tratando um câncer linfático. Fidel Castro conseguiu divulgar para o mundo, além de alguns progressos na oncologia, estranho método de enfrentamento da psoríase, pondo-se os pacientes dentro de piscina ou coisa assemelhada repleta de peixinhos famintos. Viver naquela ditadura deve ser bom (rememore-se Pablo Milanés, amigo de Chico Buarque). Ou não deve ser ruim. Sempre se pode olhar os remelexos das morenas dançarinas do merengue. Tocante ao desafeto Vargas Llosa, é um septuagenário, está inteiro e sorridente, surpreendendo-se com a premiação que o iguala àquele outro que já fora seu amigo. A vida é assim. Um lambe as feridas em Havana, o outro, depois de reconciliado, se compraz lendo “Memória de minhas putas tristes”, feliz e bastante, pois a bruxa ainda não o pegou. De repente, se o tempo lhe der, vai a Cuba para segurar a mão do velho companheiro. Estaria devolvendo, talvez, o abraço surrealista recebido na comemoração do quarentenário de “Cem anos de solidão”.

Deixe um comentário, se quiser.

E