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Cabo do Medo

Cabo do Medo
(Cape Fear – 1991)

Lucas Andreucci da Veiga

Nesse filme do premiado diretor Martin Scorsese, Robert De Niro interpreta psicopata libertado após cumprir catorze anos de prisão por crime sexual. Durante a custódia, Max Cady (De Niro) estudou profunda e obstinadamente as ciências jurídicas, chegando à conclusão de que a pena cominada por sua conduta poderia ser outra, inferior àquela obtida, ou ainda ser decretada sua absolvição pelo Tribunal do Júri, valendo a recordação de que tal Instituição possui, no direito norte-americano, competência mais ampla se comparada à sua equivalente brasileira, abrangendo outros crimes que não somente aqueles perpretados contra a vida. Há, também, outras conhecidas diferenças procedimentais entre os dois sistemas processuais.          Voltando-se à narrativa, o ex-presidiário convenceu-se, assim, da concorrência do advogado Sam (papel de Nick Nolte), por sua conduta, no desfecho, lá atrás, do julgamento, pois este, consciente e deliberadamente, omitira informações relevantes sobre os antecedentes da vítima, jamais vindo a lume laudo de que teve posse e favorável aos interesses do patrocinado. Disposto à vingança, Max põe em marcha plano concebido durante a reclusão e visando perseguir e punir não só o causídico, mas toda a família do defensor. A partir de então, pautando-se em cuidado extremo para não ultrapassar qualquer mandamento legal – dos quais é, agora, profícuo conhecedor – o criminoso passa a atormentar aqueles postos como inimigos. Concomitantemente, Sam se socorre de todos os meios ao alcance para fazer cessar a ameaça, muitos dos quais excedem os limites delineados pela legalidade. Sobre tal cenário tem início intenso thriller de suspense.

Que não se diga ser o filme, em si, jurídico. Não o é. Sua geratriz, no entanto, encontra-se no Direito pois, na conduta omissiva praticada pelo causídico, há evidente afronta à ética e à própria norma. É premissa fundamental da atividade advocatícia que o profissional, no patrocínio de causa de cliente qualquer, deve usar de todos os meios possíveis conferidos pela lei na busca pela justiça da decisão. Para tanto, impõe-se a obediência a série de regramentos delimitando a forma como devem se conduzir os defensores.

Trazendo o exemplo do filme à realidade nacional, tem-se que a conduta dos constituídos, no Brasil, se regula pelo Estatuto da Advocacia e da OAB e também pelo Código de Ética e Disciplina da OAB. Neste, logo no artigo 2º, parágrafo único, há elenco dos deveres do advogado, dentro os quais vale destacar: “É dever do advogado: II – atuar com (…) honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé”. Indo adiante na leitura do mandamento legal, cite-se o artigo 21: “É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”. Em outras palavras: o juízo de culpabilidade cabe ao magistrado, devendo o advogado, de um lado, e o órgão do Ministério Público, do outro, apresentar as provas e as razões da defesa e da acusação. Não pode o causídico, tendo em mãos elemento probatório favorável ao acusado, dele dispor por convicção pessoal, consequentemente lesando os interesses do constituinte. Evidenciado o prejuízo e apurado o dolo ou a culpa, responderá o profissional disciplinarmente perante o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, podendo, ainda, ser acionado na esfera cível, pois a conduta omissiva provocou dano ao defendido.

Acentue-se: é dever do advogado abster-se de julgar. Cabe a ele, com raras exceções, oferecer todas as possibilidades para a efetivação do exercício do contraditório e da ampla defesa e proteção aos demais direitos do réu, até para a correta satisfação da justiça. Pode o causídico, sim, recusar o patrocínio ou abandoná-lo, desde que em conformidade com o Estatuto e o Código da corporação. O que não se pode fazer, jamais, é a manipulação de provas em desfavor do defendido. Não se está, aqui, a justificar a ira de Max Cady, por certo reprovável. Mas melhor não foi a atitude daquele que se pretendia seu protetor.

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