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O jovem português, a noiva e o juiz

Roberto Delmanto

Há quarenta anos, o crime de sedução, que hoje não mais existe, era bastante frequente.

Naqueles tempos, um jovem português, residente em São Paulo, aproximou-se de uma moça de família, filha de abastado comerciante. Ela com ele se encantou, tendo o namoro sido aprovado por sua família. Seguiram-se o pedido de casamento, o noivado e os primeiros preparativos para o enlace.

A esta altura, o rapaz convenceu a noiva a conhecer seu apartamento e, uma vez lá, a com ele manter relação sexual, deflorando-a. Após mais algumas idas ao apartamento e novas relações, mostrou-se desinteressado pela moça, rompendo o noivado.

Ao saber do que ocorrera, o pai da jovem pediu a abertura de inquérito policial.

O exame de corpo de delito realizado comprovou o recente desvirginamento.

Ao ser ouvido na polícia, o sedutor negou com veemência a acusação, garantindo que não fôra o autor do defloramento e que sua ex-noiva jamais estivera em seu apartamento.

Meu pai Dante, advogado do genitor da jovem, com seu insuperável talento, solicitou ao Delegado que presidia o inquérito que pedisse à vítima que, em seu depoimento, descrevesse, com detalhes, como era por dentro o tal apartamento, principalmente a sua decoração. Após o relato minucioso da ofendida, requereu à Autoridade Policial que requisitasse à Polícia Técnica, atual Instituto de Criminalística, uma vistoria no local, com pormenorizada descrição dos cômodos existentes, acompanhada de fotografias.

O resultado do laudo pericial coincidiu totalmente com o que a jovem relatara, pondo por terra a alegação do sedutor de que ela jamais estivera no seu apartamento.

Concluído o inquérito, foi este, para azar do acusado, distribuído a uma Vara Criminal cujo Juiz era conhecido por seu rigor nos crimes sexuais.

Interrogado em Juízo, o que na época era feito em primeiro lugar, o sedutor tornou a negar a acusação.

Designada a audiência de instrução, a jovem, ao ser inquirida sobre os detalhes do defloramento, irrompeu em prantos.

Neste instante, para estupefação geral, o Juiz, não se contendo, levantou-se de sua cadeira, foi até aquela em que a infeliz moça estava sentada e, pondo as mãos em seus ombros, lhe disse em alto e bom som: “não chora não, minha filha, deixa ele comigo”.

Nenhum dos presentes à audiência entendeu o porquê do advogado do acusado não ter feito consignar de imediato o grave incidente, arguindo, oportunamente, a indispensável exceção de suspeição contra o Magistrado, que, sem dúvida, seria acolhida.

Mas o acusado entendeu o “recado”. Já na audiência seguinte não compareceu nem justificou a ausência, sendo decretada a sua revelia.

Ao ser condenado e ter contra si expedido mandado de prisão, não foi encontrado. Certamente, de há muito já regressara à “terrinha”, de onde nunca mais voltaria…

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