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A O.A.B., o Ministério da Educação e Cultura, as Faculdades de Direito e o Ministro Fernando Haddad


Paulo Sérgio Leite Fernandes

Nos idos da década de 1960, próxima ao fim, em congresso de advogados no qual era palestrante Waldir Troncoso Peres, houve muito séria advertência à classe jurídica em geral sobre a antevisão de problemas gerados com a possibilidade de indiscriminada abertura de cursos jurídicos no país. O aviso era profético. Jarbas Passarinho, ainda vivo hoje, ocupava o Ministério da Educação e Cultura, seguindo-se dezoito outros, ressalvado pequeno engano. O comportamento inflacionário de abertura de cursos jurídicos começou lá, sob a batuta de Passarinho, inexistindo, nos quarenta anos posteriores, uma só demonstração de prudência, ou mesmo de remissão de pecados a ser assumida por qualquer dos ministros posteriores. Daquela época a esta o país tem, oficialmente identificados, 1240 cursos de ensino jurídico, desdobrando-se as instalações aqui e ali em maior ou menor número, mas sempre em demonstração de ruim atividade dentro do Ministério da Educação e Cultura, da Câmara de Educação Superior ou mesmo do Conselho Nacional de Educação, nunca agindo os componentes, diga-se de passagem, sem a homologação ou rubrica final do Chefe Maior. O pai do cronista, já morto há muito tempo, era bancário humilde. Dava poucos conselhos ao filho. Morreu pobre, deixando uma casinha geminada ainda hipotecada, no velório, ao antigo Instituto de Aposentadoria dos Bancários Brasileiros. Não cantarolava, pois ainda não existente um famoso estribilho de canção feita por Paulo Vanzolini, contando a vinda de um moço do Ceará a estas bandas. A música era mais ou menos assim: “ – Meu filho, você vai ter culpa de tudo, senão por falar muito é por ficar mudo”. Mas ensinava a dizer as coisas, sempre, pois melhor seria do que ficar calado. De vez em quando empunhava a caneta, uma “Parker” antiga, único objeto de valor a servi-lo, advertindo: “ – Isto é mais perigoso que uma espada”. Não acentuava, em bom e rude vernáculo, nada diferente daquilo que o Marquês de La Tour D’Azir, nobre francês empoado, afirmava ao padre-poeta, enquanto lhe trespassava o coração com o florete, num duelo que já tinha fim antecipado: “ – A pena do menestrel é mais mortal que a lâmina do  espadachim” (v. “Scaramouche, o Fazedor de Reis” – Rafael Sabatini). Não se pense que a crônica foge ao título. Cada um dos ministros, os dezoito, tomando assento no trono a partir de Jarbas Passarinho, inclusive, é responsável pela podridão em que se deixou o ensino jurídico no Brasil no entremeio dos quarenta anos tomados como base. O país, sozinho, tem mais faculdades de direito que o mundo todo reunido. Em São Paulo, recordista nacional, já se põem as instituições, em maioria, a caçar estudantes nas esquinas, multiplicando-se os “campi” na capital, em muitos bairros, do centro à periferia. Santos tem 7 faculdades de direito, só Santos. Parece que o número 7 é o da mentira mas, desgraçadamente, é uma verdade. Não se sabe qual o procedimento apto, no Ministério da Educação, à aprovação de cursos de direito, mas parece, em princípio, haver uma série intricada de vasos comunicantes enlaçando a aferição da densidade demográfica, a proposta pedagógica, a composição do corpo docente, enfim, mas todos os que usaram uma caneta na aprovação inflacionária de tais institutos, ou mesmo que não se negaram a tanto, são corresponsáveis pela podridão. E pútrido é o conjunto, porque não se pode sequer fingir insciência sobre o despautério existente. Diga-se, de passagem, que o exame de ordem (não o exame da Ordem), criado como um obstáculo ético, moral e concreto à disseminação desmesurada de maus profissionais, é atacado hoje, no Congresso, por mais de dezesseis projetos, num esforço gigantesco para energizar-se o venenoso formigamento desmoralizador.

Não se há de dividir o número mirabolante de cursos assim ditos pelo total dos integrantes da pasta da Educação durante os quarenta anos. Se for preciso, far-se-á o trabalho. Teve-se notícia, com a assunção de Fernando Haddad, de uma tentativa tímida de redução de vagas no mais de milhar de instituições existentes, entendendo-se então que porção mínima de antídoto estaria sendo aspergida naquela porca multiplicação de cursos jurídicos tresmalhados da boa inspiração. Entretanto, breve verificação estatística permite a convicção, a ser quem sabe contestada, no sentido de que, contados em 2006, mais precisamente do dia 4 de agosto daquele ano, o Brasil dispunha de 1003 faculdades de direito em funcionamento. Daquela data a esta, sob a vigilância do Ministro Haddad, ou seja, em menos de quatro anos, criaram-se 237 novas faculdades de direito no país, desconhecendo-se as razões justificadoras do destampamento de válvula aparentemente proibitiva. O Ministro Fernando Haddad, ao que consta, tem possibilidade de permanecer no cargo, mas a verificação do tremeluzir da fosforescência no quadriênio traz a certeza de que existe ainda grande dose de estagnação sob o prometido comportamento revitalizador da ecologia do ambiente. Verifique-se que a linguagem elegante serve apenas para vestir aceitavelmente muita indignação do escriba. Evidentemente, cotejados os parâmetros atuais com aqueles advindos, inclusive, de Paulo Renato, poder-se-ia afirmar que o vazar da moralidade nas intersecções dos dedos do atual Ministro é menor. Seria? A comparação implicaria em atividade aritmética a exigir minúcia desnecessária porque os 237 cursos de direito abertos sob o guante do Ministro vertente teriam dificílima emulação com números iguais ou assemelhados em períodos anteriores.

No meio de tudo isso, a Ordem dos Advogados critica de vez em quando a desfaçatez mas, aqui mesmo, nas fímbrias da Serra do Mar, 7 instituições de ensino, a maioria recente, se movimentam livremente, sem peias ou censuras outras, não valendo dizer que a metrópole tropeça em análoga competição extremamente acidulada.

A crítica ao estado de coisas minimamente descrito provém, creia-se, de quem vigia ardentemente o fenômeno vilipendiador desde o tempo em que a beca pregueada não exibia, ainda, a perda do brilho em razão do uso constante. Entretanto, serve o exemplo da antiga carpideira que, mesmo acorrentada e posta na imobilidade, movimentava os dois dedos exponenciais da mão direita, como a unir as duas lâminas de uma tesoura afiada. Enquanto assim for, assim será e, mesmo mais tarde, algum escrito ficará. Fechem-se as narinas, entrementes, aos eflúvios não perfumados dos omitentes!

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