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Senador Demóstenes, o censor, tem problemas também

Paulo Sérgio Leite Fernandes

O cronista aprendeu, meio século atrás, que um criminalista não deve ter atividades paralelas. Precisa concentrar-se. O conselho vale para todas as profissões: se Goya tivesse 25 horas no dia, usaria todas para a tessitura daquelas imagens que são até hoje – e sobretudo hoje – admiradíssimas por todos. Picasso examinava compulsivamente os lixões. Via num guidão e num velho assento de bicicleta os chifres e o focinho de um touro. Gostava de mulher. Digam-no as biógrafas. Talvez só na última atividade se distraísse um pouco dos pincéis. Demóstenes, o grande orador e político vivente na velha Grécia, foi gago na adolescência. Mastigava pedras obsessivamente, até obter a fluência verbal que o tornou famoso. Tudo é assim, inclusive a concentração numa determinada vocação profissional. Acontece que o senador Demóstenes Torres resolveu transformar-se em sócio de instituições educacionais, primeiro erro, porque a conduta paralela o desvia do constante trabalho de censurar, quem sabe com eventual justiça, aqueles que lhe caem nas tenazes. O segundo escorregão foi aquele de influir para obter, em 14 dias, a aprovação dos cursos superiores constitutivos do agrupamento de várias faculdades, isso em Contagem, Minas Gerais. Há quatrocentas vagas abertas. Dez cursos foram oferecidos. Quatro se encontram em funcionamento. Três outros iguais, mantidos por outras entidades, já existem na região.

Peça-se às santas entidades protetoras da advocacia, com relevo para Santo Ivo, que o senador catoniano não tenha pretendido aprovar, também, uma faculdade de direito acrescida às outras mais de duzentas autorizadas a funcionar sob a caneta de Fernando Haddad (v. crônica “A O.A.B., o Ministério da Educação e Cultura, as Faculdades de Direito e o Ministro Fernando Haddad”). Roma, em priscas eras, teve Catão, o censor, e seu descendente, com o mesmo patronímico. O grande problema dos acusadores severíssimos é que, na expressão de Edu Lobo, repetida pelo cronista como lugar comum, “procurando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem”. Explique-se Demóstenes aos órgãos de imprensa que lhe expuseram a falta. Um senador é um senador, mantendo-se impecável enquanto não cedendo às tentações de momento. A educação no Brasil parece ser extremamente lucrativa, havendo notícia de interesse demonstrado, já, por capitais estrangeiros. Aqui, o feitiço vira contra o feiticeiro e o senador precisará usar sua verve para explicar a rapidez com que obteve sucesso. Quanto ao cronista, fica muito atento sobre os cursos de direito. Se mais um vier, agora sob a parelha Demóstenes/Haddad, vai haver xingamento sério, acompanhado ou não pela OAB. Aguarde-se.

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