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O Natal de 2010 e o Ano Novo

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
O Natal de 2010 e o Ano Novo***


Por força de necessidade profissional, tenho estudado muito o comportamento do cérebro humano. A razão é simples: o Direito Penal guarda sua estrutura básica na chamada responsabilidade, ou seja, a forma pela qual o homem (e a mulher, é óbvio) enfrentam os fatos da vida, adaptando a conduta a dispositivos legais, funcionando, tais mandamentos, como equilibradores das relações entre a comunidade e o indivíduo. Dito assim parece complicado, mas o direito punitivo deveria ser como os “santinhos” distribuídos na primeira comunhão dos candidatos à adolescência. Em outros termos, quem peca é castigado. Confessando-se, recebe indulgências, plenas ou não, segundo os regulamentos celestiais postos, aliás, no verso da efígie do Cristo barbudo. Há pecados mortais, veniais e simples insurgências sem maior significado, antecedendo-se com isso, até mesmo no Direito Penal brasileiro, as penas de reclusão, detenção, prisão simples e puramente pecuniárias. Dentro do contexto, o cidadão sem perebas vai para o céu e quem não cometer infrações penais tem a vida terrena mais estabilizada. Acontece ser impossível localizar-se um não pecador. Analogamente, todos cometeram um crimezinho qualquer, havendo diferença, é claro, entre aqueles descobertos e os mantidos em sigilo, sabendo-se que as infrações penais, em maioria, só aparecem quando a investigação se faz mais metódica. É assim. Catão, o censor (o pai ou o filho, pouco importa, visto que eram dois), foi sacrificado ao fim, acontecendo o mesmo a outros fiscais da moralidade, nas eras antigas, constando que Cícero, muito depois das Catilinárias, foi degolado e perdeu a língua. O cronista bem conhece aquele político e orador romano. Precisou decorar o texto em latim, num colégio de padres, como punição pelos aprontos. Muito cuidado se deve ter, portanto, enquanto se aponta o dedo verrumando a honestidade de alguém. O mais puro louvador dos pressuposto éticos pode não ocultar seus defeitos. É lembrar de um velhíssimo filme de faroeste, personificado por Alan Ladd. Houve um duelo entre ele e um bandido famoso, dentro de um bar, é claro. Ambos sacaram as armas e dispararam. Continuaram ilesos. Os frequentadores, escondidos sob o balcão ou debaixo das mesas, se surpreenderam muito, pois o mocinho não costumava errar. Eis que, de repente, as calças do bandido escorregaram até os joelhos. Alan Ladd lhe cortara o suspensório com um tiro. Foi uma vergonha total no vilarejo. O infrator, sob os culotes, usava calcinha de renda e meias de seda presas pelas famosas ligas floridas exibidas nos cabarés de antanho.

Aproximando-se o Natal e o Ano Novo, os sobreviventes, enquanto envelhecem, partem afincadamente para o perdão dos adversários, embora muito lhes custe na medida em que, conforme assentado ao exame da psique humana, há quatro emoções básicas: o amor, a ira, o medo e o dever. Trabalha-se muito sobre o quarteto. O Natal é hora da contrição, da remissão, do indulto enfim. Procurei nas páginas do meu livro negro um inimigo para absolver. Cheguei à triste conclusão de que todos já morreram, sabendo-se que os antigos samurais precisavam manter vivo um adversário a lhes energizar os hormônios. Pensei até em colocar no outro canto do ringue o atual bastonário do Conselho Federal da Ordem, Ophir Filgueiras Cavalcante Junior, que se intrometeu numa causa criminal importante assumida por mim em Brasília. Bem raciocinando, o bâtonnier não merece inimizade fidagal. Esta, quando visceral, exige qualificações especiais que o advogado Ophir não tem. Sobra o ex-Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo Pinho, que sem razão alguma me obrigou à impetração de habeas corpus e trancamento de ação penal em que aquele promotor público me acusava de calúnia, história comprida ligada a nefanda interceptação telefônica e ambiental, praticada à sorrelfa, de diálogos sigilosos entre advogados e clientes dentro de parlatório de presídios paulistas. Feliz ou infelizmente, não tenho raiva suficiente para xingar o rapaz. A pior consequência da perda de autoridade é o desvestimento do poder e o ostracismo. Assim, quem mais não é não merece colocação suficiente a ser hierarquizado na inimizade. Parece razoável, então, o equilíbrio emocional. O cronista, ao que sabe, não tem inimigos. Está rodeado por gente a acarinhá-lo. Pensa ser estimado. O fenômeno do abraçamento repercute na consciência e produz, dentro da intricadíssima mecânica dos bilhões de neurônios tricotando as avenidas cerebrais, uma equalização muito gostosa, significando, sim, que o perdão é uma forma especial de estabilização dos quatro gigantes da alma, aqueles mesmos formando o grupo estrutural da consciência. O medo, a raiva, o amor e o dever constituem os subterrâneos da alma.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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