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Interceptação telefônica e a comédia do guardião

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Interceptação telefônica e a comédia do guardião***

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Quando surgiu no Brasil, não combatida com vigor algum, a legislação correspondente à interceptação telefônica, fui dos pouquíssimos a advertir a classe jurídica e o povo sobre as consequências da interceptação eletrônica. Aliás, comecei a me preocupar com a violação da privacidade a partir da iniciativa, no primeiro governo Fernando Henrique, de cruzamento do Registro Geral com o CPF. Lembro-me de editar um “Jornal do Advogado” contendo, na primeira página, uma caricatura de um cidadão sem nome. Era um número.    Do jeito que a coisa vai, até no amplexo amoroso o brasileiro chegará a condutas tragicômicas. Alguma coisa assim: “– Oh 030013225446, como eu te amo!”.

Surge a notícia de que o Ministério Público Federal está a investigar despesa de quarenta e nove milhões de reais correspondentes à obtenção pela Polícia Federal de trinta e seis plataformas do sistema de computação denominado “Guardião”, capaz de acompanhar simultaneamente quatrocentas mil ligações telefônicas. Não vem ao caso saber se aquilo constitui ou não violação à lei que rege as licitações, embora seja muito estimulante o confronto entre aquisições ditas secretas e a legislação atinente à espécie. Na verdade, fica muito esquisita a publicação de edital contendo normas relativas à concorrência para a venda de equipamentos com destinação à espionagem.

A notícia correspondente ao interesse do Ministério Público Federal no desnudamento da compra de tantas unidades do nefando aparelho significa muito pudor, sabendo-se que respeitadíssimo ex-Procurador Geral da República (Cláudio Lemos Fonteles), a seu tempo, mandara aposentar o equipamento. Saiu nos jornais da época.

Lícita ou não, a obtenção dos computadores pela Polícia Federal está sendo envolvida em disputa paralela, porque uns técnicos em computação originários da Universidade Federal de Santa Catarina afirmam que dois dos softwares usados no sistema posto na berlinda foram desenvolvidos por eles. A empresa fabricante teria passado a perna no trio. Deixe-se de lado qualquer comentário sobre o intricado reino da chamada inteligência, nome elegante para os espiões. O chamado “Guardião” é pior que peste bubônica. Envenena tudo, inclusive os incentivadores. Há pressupostos éticos básicos dos quais nem o demônio se livra. Até o inferno, segundo seu maior historiador (Dante Alighieri) tem suas regras. Quem as viola, mesmo nas fornalhas, paga o preço. Em síntese: “– Se tu faz pra mama, mama faz pra tu”.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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