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O viúvo e o Rei Salomão

Roberto Delmanto

O engenheiro civil aposentado, aos 70 anos considerava-se um homem feliz. Embora não tivesse tido filhos, era super bem casado há mais de quarenta anos com a mesma mulher.

Certa noite, em um importante cruzamento de São Paulo, teve um gravíssimo acidente de carro, quando o veículo por ele dirigido, tendo a esposa como passageira, chocou-se com outro dirigido por um jovem estudante. Enquanto ele e o moço se feriram apenas levemente, a mulher do engenheiro veio a falecer.

Os dois motoristas foram processados criminalmente pela morte da senhora e pelas recíprocas lesões leves. Durante as audiências, o abatimento, a prostração e a profunda depressão do engenheiro, sempre mal vestido e com a barba por fazer, falando e andando com dificuldade, a todos comoveu: a meu pai Dante, que defendia o jovem, ao juiz e ao próprio promotor…

Na época não havia o atual § 5º do artigo 121 do Código Penal, que permite ao juiz deixar de aplicar a pena se as consequências do homicídio culposo atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Ou seja, conceder o perdão judicial, que seria justamente o caso do engenheiro.

O processo continuou seu trâmite normal, terminando com a absolvição de ambos os motoristas, pois a prova testemunhal não conseguiu esclarecer, com o necessário grau de certeza, para qual dos dois o semáforo estava aberto.

Passados alguns anos, meu pai estava no Largo São Francisco, aguardando condução, quando viu ao seu lado, procurando por um táxi, um senhor de idade elegantemente vestido, com gravata e lenço no bolsinho do paletó combinando, barba bem escanhoada, com um chapéu tipo tirolês com pena, rindo alegremente. De braço dado com ele, uma bonita jovem, loira e alta, de trinta e poucos anos.

Olhando melhor para o casal, meu pai percebeu que o velhinho era ninguém menos do que o outrora infeliz engenheiro. Com o surgimento de um novo encanto feminino, toda a antiga depressão havia desaparecido. Como escreveu o rei Salomão, no Cântico dos Cânticos, “mulher bela é uma graça; espanta melancolia, consola mágoas de amor”…

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