Home » Crônicas Esparsas » Filmagem de prisão em flagrante vira episódio libidinoso

Filmagem de prisão em flagrante vira episódio libidinoso

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Alguém me disse, hoje no escritório, que o “youtube” estava mostrando episódios lúbricos (ou libidinosos?) retratando a prisão em flagrante de uma escrivã de polícia que teria exigido de um envolvido a quantia de R$ 200,00 a título de benefício qualquer em procedimento investigatório que ali tramitava, isso no 25° Distrito Policial de São Paulo. A gravação teria sido feita em 15 de junho de 2009, ou seja, há quase dois anos, vazando agora na internet. Sabe-se que a própria Corregedoria Geral de Polícia filmou o episódio, não se conhecendo, entretanto, a autoria direta da instrumentação.

Instado a olhar o vídeo, interrompi-o aos primeiros minutos, com a sensação de repugnância. Na verdade, alguns homens, policiais com certeza porque portavam distintivos e no mínimo uma policial feminina, depois de algemarem a escrivã posta sob suspeita, lhe retiraram parte das roupas, sem exceção da proteção do baixo ventre, procurando descobrir o dinheiro que, segundo denúncia, havia sido entregue à serventuária pelo denunciante. Que coisa horrível! A que ponto pode chegar a ânsia de descoberta teórica do cometimento de uma infração penal! Se perguntarem a razão fundamental pela qual interrompi a visualização daquele vídeo, devo dizer, depois de reflexão, que senti nos personagens um comportamento excrescente do exercício normal de função pública previsto no artigo 249 do Código de Processo Penal, restando a sensação até mesmo de uma conduta libidinosa em que algumas criaturas do sexo masculino e policial feminina fardada manuseavam o corpo da moça, depois de a terem imobilizado com algemas. Aquele filme foi, tempos depois, requisitado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o GAECO, sendo preciso ressaltar que não se conhece a forma, o tempo e a autoria do vazamento, sabendo-se apenas do resultado. Até onde vi a filmagem, percebi que o “câmera” se esmerava no acompanhamento de tudo, procurando não perder os detalhes. Assemelhou-se o conjunto, até, à antecipação de uma perspectiva de figuração de violência sexual. Um homem agarrou as mãos da escrivã, passou-lhe algemas nos pulsos, ela resistiu, deitou-se ou foi atirada ao chão e, em seguida, mãos ágeis lhe pesquisaram as intimidades, tudo sob os auspícios da Corregedoria Geral de Polícia de São Paulo. Dir-se-á que o Código de Processo Penal autorizava a diligência, asseverando-se, ainda, que é assim que se faz quando, por hipótese, as visitas íntimas nos presídios se põem sob suspeita. Curiosamente, ou espantosamente, a atividade em tese autorizada pela lei processual penal se transforma em comportamento nauseante quando exposta à coletividade. A cena tem quase dois anos de existência. Obviamente, sendo a fita remetida ao Ministério Público do Estado de São Paulo, a instituição deve tê-la em seus arquivos, sendo concebível que não tenha havido quem se interessasse pela análise daquela anômala situação. De qualquer maneira, parece que o Governador do Estado já determinou o afastamento das autoridades e agentes participantes da ocorrência, iniciando-se, é claro, procedimento administrativo disciplinar para a identificação da gravidade daquela atividade espúria e possível punição dos intervenientes.

A título de justificativa, virá explicação no sentido de que a manipulação do corpo da presa teria sido feita por mulher. Entretanto, havia no mínimo seis pares de olhos masculinos perscrutando o desvestimento da infeliz que, delinquente ou não, mereceria a garantia de manutenção do recato. Possivelmente, dirão os partícipes da aberração que a filmagem teria sido feita em garantia da realidade da busca e de suas minúcias. Repare-se, apesar disso, que nem mesmo os torturadores do período medieval desvendavam ao povo o corpo dos investigados enquanto sob suplício. A coisa se fazia no segredo das masmorras. Também não se tem notícia exata da intenção do Governador ao mandar apurar a extravagância (o fato em si ou a divulgação?). Entenda-se: a conduta, ela própria, foi repugnante; a difusão do filme teve, certamente, duas intenções. A primeira, a de demonstrar a que ponto se pode chegar no extrapolamento dos limites do exercício legítimo da autoridade. A segunda, quiçá, uma espécie de vingança de alguém aterrorizado à vista daqueles dedos ágeis passeando sobre o corpo da infratora. Independentemente disso tudo, a fita em questão foi, alhures, remetida ao GAECO. Desorientou-se a entrega em algum ponto do caminho. Repousa o filme nos escaninhos da instituição, revestido de segredo, é claro, mas exigindo severíssima providência de esclarecimento das particularidades do acontecimento. Já vi episódio análogo em filme “noir”, na televisão. Aqui, a vida imita a ficção…

Deixe um comentário, se quiser.

E