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O sapato

Roberto Delmanto

O corretor de imóveis, aos quarenta e cinco anos, era um homem de sucesso: dono de uma das maiores imobiliárias de São Paulo, com dezenas de anúncios semanais nos principais periódicos, bem casado há vinte e cinco anos e com os dois filhos já adolescentes.

Nos últimos tempos, contudo, as coisas haviam mudado: a mulher mostrava-se indiferente e distante. Chegou a desconfiar do relacionamento dela com um vizinho do prédio, um belo moço de vinte e poucos anos, cerca de 1,95 de altura e compleição atlética; mais de uma vez chegou a perceber olhares comprometedores entre os dois. As suspeitas aumentaram quando a mulher lhe pediu a separação; sem provas do adultério, acabou se separando amigavelmente.

Meses após a separação, nas vésperas do Natal, resolveu visitar de surpresa a ex-mulher e os filhos no luxuoso apartamento em que eles continuavam a morar. O porteiro lhe disse que os meninos não estavam, apenas a ex-esposa. Tocou a campainha. Após algum tempo, a ex-mulher abriu a porta, ocasião em que pôde notar o seu nervosismo; teve também a ligeira impressão de que um vulto passara em direção à área de serviço.

A discussão entre o ex-casal iniciou-se na sala e prosseguiu no antigo quarto. Foi aí que o corretor notou, próximo à cama, um pé de sapato muito grande, número 46 ou 47, que não era de nenhum de seus filhos, mas, certamente, do jovem vizinho… A agressão verbal descambou, então, para a física, terminando com ambos machucados, ela mais do que ele, principalmente nas costas.

A ex-mulher dizia que ele a agredira covardemente, tendo ela apenas se defendido. O corretor alegava que fôra ela que o atacara, buscando ele somente se defender. O ex-marido acrescentava ao seu relato um pormenor curioso: em dado momento ela teria procurado entrar debaixo da cama, achando ele que a ex-mulher ia apanhar o revólver que, desde os tempos de casados, era guardado debaixo dela; ao tentar impedi-la, acabou caindo com seus mais de noventa quilos sobre o leito, fazendo com que o estrado se quebrasse e atingisse as costas da ex-mulher.

Esta, além de acusar o ex-marido de agressão, também lhe imputava ter danificado o apartamento. A vistoria realizada no imóvel para comprovar os danos, ilustrada com fotografias, confirmou que o estrado estava quebrado, dando respaldo à versão do corretor.

Este, de quem fui advogado, acabou absolvido por falta de provas. Nem ele nem a ex-mulher mencionaram o suposto amante durante o processo. Mas quem examinasse com atenção as fotos da vistoria, não poderia deixar de notar, no canto inferior de uma delas, o enorme sapato…

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