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Ainda sobre o acidente nuclear japonês

Paulo Sérgio Leite Fernandes

A continuação do noticiário sobre o terrível acidente nuclear japonês com base em Fukushima, a 250 quilômetros de Tóquio, leva os curiosos em geral, os intelectuais da área e muitos outros brasileiros com cultura inespecífica a pesquisas diversas sobre o desenvolvimento da energia atômica no Brasil, o abalo hipotético no entusiasmo quanto à multiplicação de usinas assemelhadas às de Angra dos Reis e sobre o período intermediário em que, às escâncaras ou subrepticiamente, lideranças políticas e militares nacionais se dispuseram a que a pátria não ficasse inferiorizada no desenvolvimento e controle da energia nuclear. Mede-se a projeção de um país no cenário mundial pelo desenvolvimento armamentista, pela competitividade do mercado exterior e, mais adiante, pela possível influência no aperfeiçoamento de técnicas na utilização de materiais aptos ao consumo universal (petróleo, biodiesel? e energia nuclear, por exemplo). Entendeu-se, durante o regime militar implantado na nação, que deveríamos ser competitivos. Havia limitações ao desenvolvimento de experiências correspondentes à energia atômica, lamentando-se tal circunstância porque o país possuía, no solo, materiais utilizáveis na atividade que o colocaria em condições de igualdade com outras nações. Como de costume, duas realidades se desenvolveram enquanto os militares sobrenadavam no país: uma aparentemente obedecendo aos ditames da fiscalização internacional, outra clandestina, com verbas de contas secretas, esmerando-se os autores na aceleração de um programa que nos permitisse uma evolução acentuada no uso da energia atômica para fins pacíficos e, quiçá, para objetivos bélicos. Na verdade, surge ainda na mente de todos o desejo de obtenção de técnica a propiciar a construção da bomba atômica, conjeturando-se sobre muitas nações que a teriam, embora acentuando-se que não a tinham. Deu-se a essa atividade subliminar o nome de “Programa Nuclear Paralelo”. A justificativa seria aquela de se permitir a criação do submarino movido a propulsão atômica. A Marinha brasileira demonstrava, em 1979, capacidade maior que as outras duas Armas de se envolver no programa. Afirma-se que para a atividade de evolução de um esforço nacional com o fito de dominar a tecnologia permissiva do trato da energia nuclear, entre 1979 e 1983, foram criadas cerca de setecentas bolsas para cientistas brasileiros estudarem na França, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Argentina. O eterno José Sarney, presidente em 1987, divulgava que o Brasil dominava o ciclo do urânio. Disse mais: havia na Serra do Cachimbo, Estado do Pará, instalações nucleares para a produção da bomba satânica. Conta a imprensa que em 1990, Fernando Collor de Mello, então presidindo o país, teria mandado destruir um enorme buraco preparado para uma experimentação do tipo. Houve, no entremeio, incidentes de espionagem análogos a um romance de James Bond: José Luiz Santana, presidente da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), tentando desmobilizar os esforços anteriores de produzir a bomba atômica, teria sofrido três atentados, um deles a tiros. Como não podia deixar de ser, aquela atividade paralela direcionada ao tratamento da energia atômica recebeu um codinome: “Plano Delta”.

O assunto é repleto de escaninhos secretos e carimbos assegurando tratamento absolutamente diferenciado. As usinas atômicas brasileiras (Angra I, Angra II e a proposta de construção de Angra III) são administradas com mão de ferro. Os habitantes de Angra dos Reis plantam suas rosas e couves nas proximidades. Acostumaram-se à ideia de convivência com aqueles monstros de concreto edificados a beira d’água e não muito distantes do paraíso onde Ivo Pitanguy tinha (e tem?) uma ilha receptiva ao descanso de muitas personalidades do mundo inteiro. Ao surgirem as primeiras fumaças cinzentas dos ventres luminosos dos reatores mordidos na saúde em Fukoshima, várias nações declararam publicamente estarem interrompendo ou suspendendo seus programas nucleares. Uns se conduziram assim por precaução voluntária ou, em se preferindo o termo, por vocação espontânea; outros foram pressionados pela população que saía às ruas protestando contra o bailado mefítico praticado por aqueles deuses iridescentes disputando a fissão atômica como se fossem crianças arteiras jogando bolinha de gude entre fogueiras demoníacas. O brasileiro, segundo consta, tem temperamento dócil e poucas reivindicações. Se assim for, assim não era. Sempre entendi, como enunciado de uma raça ainda em formação, mais inteligível o nosso capitão de mato nordestino, mistura sim de português com índio, ou deste com holandeses (dão mulheres lindas atropelando a tranquilidade dos outros com seus olhos verdes ou até azuis), isto predominantemente. Aquele mateiro, se brasileiro houver, é, exceção feita aos índios puros, uma geratriz razoavelmente autêntica da projeção de uma comunidade futura. O homem do Nordeste, aquele mesmo que trazia à cinta a faca enferrujada com que abria a barriga do peixe ou disputava a posse da mulata cheia de trejeitos, podia ser analfabeto e viver na palhoça, comendo carne de porco e farofa com azeite de dendê, mas não era burro. Aquela gente expulsou – ou ajudou a expulsar – Maurício de Nassau, criando histórias ou lendas para a posteridade. Lá embaixo, na guerra do Paraguai, o Brasil fez verdadeira faxina no país fronteiriço, deixando-o definitivamente isolado do mar. Não, o brasileiro não tem o falado “gênio bom”, não era alienado e seus neurônios lhe outorgavam certa dose de capacidade de se intrometer nos problemas da nação. Alguma coisa, no entanto, está a desnutrir a qualificação comunheira do povo. O cidadão, embora aterrorizado com as notícias matinais referentes ao horror sofrido pelos japoneses, vai no máximo à missa, ao centro espírita, à tenda de umbanda ou às reflexões em seitas diversas, mas não reclama do governo providências aptas à interrupção da construção do terceiro dos três enviados pelo Apocalipse (Angra I, Angra II e Angra III?). Lá naquele rincão brasileiro, a exemplo de Pompeia, nascemos, crescemos, fazemos filhos e morremos sob a sombra do terror. Não chegamos perto das muralhas, nem navegamos nas proximidades, porque é proibido, mas as bruxas estão lá dentro, a exemplo de Chernobyl e outras irmãs, não se falando nos testes subterrâneos, nos naufrágios de barcos movidos a energia nuclear e loucuras assemelhadas. Alguém afirmou, num matutino recentemente impresso, que o programa nuclear brasileiro continuaria ativo. Se o disse, é burro de pai e mãe, ou delinquente do maior pecado que se pode cometer, uma espécie de genocídio em expectativa. De outra parte, se o brasileiro deixar que isso aconteça, estará aviltando aqueles outros que nas nossas origens sabiam disputar na ponta da faca a prevalência das suas opiniões.

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