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Nenhum brasileiro se importa com o acidente nuclear no Japão

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Nenhum brasileiro se importa com o acidente nuclear no Japão

Paulo Sérgio Leite Fernandes

As usinas japonesas de Fukushima explodiram há duas semanas, vomitando material radioativo continuamente, havendo risco de envenenamento de países até distantes. Jornais do mundo inteiro noticiavam o fato nas primeiras páginas. Morreu gente. Contaminam-se outros, havendo risco de projeção à descendência. O Brasil tem duas usinas atômicas em pleno funcionamento na região paradisíaca de Angra dos Reis. Houve alguma disputa sobre se aquelas fábricas eram ou não seguras, havendo debate, inclusive, sobre a estocagem no próprio local de material radioativo já servido, funcionando aquilo como autênticas bombas se e quando houvesse um acidente qualquer. Há um ou outro protesto tímido de alguns setores, com realce entre alguns estudantes. No contexto geral, entretanto, o povo está mais preocupado com necessidades básicas de sobrevivência ou com questões políticas constitutivas do dia-a-dia de qualquer nação a partir dos primórdios da raça humana. Assim, não há muito interesse em saber se aquele outro monstro satânico (Angra III) vai ou não constituir a trinomia atômica a ser encravada à beira d’água no Estado do Rio de Janeiro. Ninguém liga. Vale a pena relembrar do dia 24 de agosto de 79 d.C. Pompeia, situada a 23 quilômetros de Nápoles, tinha casas de banhos, teatro, barbearia, ruas e ruelas enfim. Tinha até prostíbulo, ornamento não faltante em qualquer vilarejo. Faz parte. De repente, o vulcão acordou. Suas entranhas, cansadas de estarem em paz, resolveram discutir. Cobriram Pompeia de lava e cinzas. Houve quem se salvasse, dependendo da direção da fuga. Uns e outros, milagrosamente, haviam saído em férias ou viajado a negócios. Não morreram. Quem resolveu atirar-se ao mar pagou preço caro, pois as cinzas vulcânicas não os pouparam. Pompeia sumiu. Fui lá algumas vezes. Ir à Itália sem visitar a “Fontana” é inconcebível (tenho foto minha com Anita Ekberg – La Dolce Vita), mas deixar de ver os restos desenterrados de Pompeia também não se justifica. Lá em cima, o vulcão parece estar sossegado. Segundo consta, há um sismógrafo nas escarpas, vigiando o sono daquele fantasma do terror. Cidades próximas fervilham de gente. Fazem-se filhos, há casamentos e enterros. Aquela gente não pensa no ano 79 d.C. Se houvesse uma pesquisa a saber se haveria necessidade de providências mais sérias para a apalpação do ventre do Vesúvio, os frequentadores das pizzarias no fim de semana diriam que os pesquisadores eram uns chatos.

O exemplo do Vesúvio, em linguagem corriqueira dos judeus, é “pixulé” na comparação com Fukushima. Aquilo queimou, destruiu e sufocou gente, mas parou ali. Aqui, ou no Japão, aquela coisa diabólica entra e não sai mais, castigando o próprio núcleo das células, matando devagar e tatuando gerações e gerações, o que é muito pior. O cidadão brasileiro não liga. Mastiga outras preocupações. Angra III tem inauguração prevista para 2015, havendo outros projetos a se espalharem pelo Brasil inteiro. Há neste site uma enquete sobre o assunto (Você é favorável ao término da construção da usina atômica de Angra III? Vote.). Tem 13 respostas. O 13, no dialeto cabalístico, é número de azar. É interessante o fenômeno. Quando a iraniana Sakineh parecia estar sob a séria ameaça de lapidação, houve mais de milhão de assinaturas contra o sacrifício. Paralelamente, posto o universo sob o pavor do manto iridescente de Fukushima, não há sequer uma vintena a dizer não, até mesmo em legítima defesa antecipada. A omissão, quem sabe, se deve a uma sensação qualquer de distanciamento da ameaça. O cidadão repele o terror como se fora um cão molhado sacudindo o pelo e saindo a correr depois. Em outros termos, o inimigo ainda não está atrás da porta. Entretanto, fiando-se na inanidade, ou no desinteresse, e até mesmo na necessidade de cumprimento de contratos, fornecedores miliardários hão de completar a obra. Aquele conjunto apocalíptico constituindo ou não um terrível prognóstico de hecatombe, há de se abraçar junto às margens de Angra dos Reis. O brasileiro nem sonha com aquilo. Por quê?

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