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O Senador Demóstenes Torres pensa que os advogados nasceram ontem

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Leu-se com surpresa exemplar, em fins do ano passado, parecer do Senador Demóstenes Torres, enquanto membro da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sobre projeto de lei da Câmara sob número 83, de 2008, rotulado na Casa de origem sob número 5762/2005, dispondo sobre o crime de violação de direitos e prerrogativas do advogado, alterando a lei 8.906, de 04 de julho de 1994. Aquele projeto dispunha que a violação a prerrogativa ou direito de advogado, impedindo ou limitando sua atuação profissional, prejudicando interesses legitimamente patrocinados, seria punida com detenção, de seis meses a dois anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência, se houvesse. Afirmava, ainda, que a OAB poderia habilitar-se como assistente nos processos criminais instaurados contra os ofensores, assegurando-se à Corporação, paralelamente, a possibilidade de requerer a instauração de inquérito quando verificada infração de tal natureza. Aquilo foi ao Senado. O Senador Demóstenes, depois de acentuar que o caminho mais acertado seria prestigiar o livre exercício profissional de todas as categorias, pretendeu agravar os dispositivos censórios constantes da lei de abuso de autoridade, abrangendo então todos os setores, nestes incluído, por óbvio, a advocacia. O parlamentar se entusiasma com a solução alvitrada, não desconhecendo que na jurisprudência pátria é extremamente rara a contemplação de hipóteses de abuso de autoridade. Pesquisa sumária nos arquivos revela um ou outro caso resultante, aliás, em exculpação dos agentes ou em penas especialmente abrandadas, a não ser naqueles casos em que a gravidade da infração é tamanha que o abuso vem montado em crimes de homicídio qualificado e coisas tais. Assevera o Senador, enquanto disserta sobre o substitutivo que oferece, pretender apenas aplicar o princípio da isonomia, porque todos são iguais perante a lei. Em outros termos, proteger especialmente o advogado seria desequilibrar a conotação no sentido de que todos devem ser tratados da mesma forma. Se assim valer, será preciso extinguir, igualmente, as garantias outorgadas à magistratura e ao ministério público de onde, aliás, o eminente Senador provém, colocando-se todos na vala comum. Entretanto, é bem fixado que as prerrogativas são instituídas em favor dos cargos ou funções, e não das pessoas. Dentro de tal contexto, resta dizer que “o uso do cachimbo faz a boca torta”. Embora o projeto de lei vindo da Câmara não fosse modelo de redação, atendia em parte à necessidade de proteção que os advogados têm enquanto trabalham. O Senador Torres não faz por menos: derrui o projeto e o substitui por legislação já existente, num quase estelionato ético, pois a lei que pune o abuso de autoridade tem vigência desde 1965. De outro lado, o Senador Demóstenes é versado em Direito Penal. Inclui-se na sua cultura a ciência de que a Ordem dos Advogados já pode, há muito, secundar o Ministério Público em ações penais movidas contra autoridade que venha a ofender advogados, legitimando-se assemelhadamente, por força do Estatuto, a defendê-los enquanto acusados. Assim, tocante ao projeto vindo da Câmara, Demóstenes apenas o afastou com um piparote, deixando, enquanto o repudia, vestígios visíveis a qualquer cidadão que saiba ler e escrever. De outra parte, oferecendo substitutivo, pretendia imitar legislação posta no mundo jurídico fazia anos, esparsamente aplicada, aliás, pois, como dito, só por exceção muito tênue se encontra autoridade punida por abuso de autoridade praticado contra profissional ou cidadão outro. O Brasil tem setecentos e sessenta mil advogados, no mínimo. Não se engane qualquer deles quanto à aparente atividade meritória do Senador. Não gosto dele. Tenho a autenticidade de o dizer publicamente. Às vezes paga pecadilhos. Por exemplo, manifesta-se pela manutenção do Exame de Ordem. Tal mérito não o livra de faltas graves. Por exemplo, defender a pena de morte, a castração e o regime carcerário maximamente diferenciado. Tocante à particularidade, precisa de muitos atos de contrição, aproveitando a Quaresma. Quer que os advogados acreditem que está a produzir um bem maior à classe. Embora aviltados, inclusive, por desatenção séria dos órgãos censórios na fiscalização sobre o Ministério da Educação, os advogados brasileiros não são crianças e não têm o defeito da ingenuidade.

Leia o Projeto de Lei da Câmara Federal número 5.762/2005

Leia o parecer aprovado pela CCJ do Senado

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