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Bin Laden morreu, o papa foi beatificado e a caixa preta apareceu

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Adolf Hitler, segundo consta, praticou suicídio dentro de um “bunker”, acompanhado pela amante Eva Braun. O autocídio é, às vezes, a última alternativa para evitar-se morte desonrosa. Relembre-se Mussolini, pendurado numa árvore de cabeça para baixo enquanto submetido ao poder da multidão enfurecida. Também ali, aquela que se dizia ser sua companheira teve destino igual. Adolf Hitler despertou ódio quase universal em razão, principalmente, dos campos de concentração de Berna, Dachau e outros muitos. Naquelas contingências, a solução final era pragmática, embora privando o mundo da retorsão humilhante. Dentro de tal contexto, até os maus morrem desonrados, ou não.

O ser humano, nos seus humores fundamentais, tem duas espécies de ódio: aquele santificado pela necessidade de recomposição da justiça é um. No fundo, é raiva mesmo, embora justificada pela imensa necessidade de reequilíbrio de valores fundamentais, despontando o sentimento de repulsa.

Saddam Hussein morreu na forca em condições aviltantes. Breve leitura aos livros de medicina legal que o cronista tem às dezenas demonstra que o enforcamento não se dá por asfixia, mas pela secção dos delicadíssimos ligamentos que fazem da coluna vertebral a avenida principal da possibilidade de viver. A fratura daquilo à altura do pescoço é momento decisivo na remessa do condenado a outro mundo (se houver). Afirma-se também, constituindo quase uma rotina na hoje exceção da cerimônia do enforcamento, que tal forma de execução envilece as contraturas de sofisticado esfíncter, com resultados desastrosos para quem se vai e antegozo da multidão circundante, ou até dos poucos espectadores especialmente convocados como testemunhas. No fim de tudo, o monstro Bin Laden foi dilacerado impactantemente, de acordo com as primeiras notícias transmitidas ao mundo pelo rei negro Obama. Afirmou-se que o DNA do terrorista maior do universo foi preservado. Devem guardá-lo muito bem, pois sempre haverá quem lhe negue a morte. Há de ficar como uma espécie de tesouro assemelhado ao quadro de Monalisa, fechado a sete chaves num subterrâneo qualquer e ao lado dos depósitos de vírus ainda mantidos para experiências morféticas.

O fim do século XX deixou alguns rescaldos terríveis: lá atrás, Chernobyl ainda ditando testamento e produzindo herdeiros (Fukushima é um deles. Que não o seja Angra dos Reis). Adiante, o Tsunami, os furacões assolando os Estados Unidos e outras partes do mundo, guerras aqui e ali, epidemias variadas, a AIDS, ainda não debelada mas enfrentada a ponto de se poder dizer que, se hoje fosse, Cazuza estaria vivo. E Michel Foucault, seguramente um dos maiores filósofos do século XX, envelheceria em paz. Como diria o pranteado cantor popular, “faz parte do meu show, faz parte do meu show, meu amor!”.

Bin Laden é morto. Os americanos o mataram com dignidade. Explodiram-no. Pouparam-no ao relaxamento dos esfíncteres enquanto a corda lhe dilaceraria a primeira vértebra cervical. Obama, virtualmente, põe o pé sobre o cadáver e assiste à cerimônia última. Simplesmente mataram o monstro. Do outro lado, aquele “do bem”, o papa João Paulo II, é beatificado. Mais um milagre e vira santo. É a regra de três: sempre o desempate. O número ímpar desempata até a diferença entre o finito e a imortalidade. Que coisa esquisita! Resta ao mundo uma outra façanha: encontrou-se a caixa preta no avião que servia de túmulo a duzentas e poucas criaturas. Estas pretendiam satisfazer seus desejos de ir ao Louvre e passear, mãos dadas, no Batomuche, singrando as águas do Sena. Ou então, um pequeno desvio a Roma, formulando três desejos na Fontana di Trevi, três moedas de um real, não mais. Já se vê a filosofia dos contrários. Mata-se um demônio e, ao mesmo tempo, promete-se a eternidade a um santo. Em derradeiro, restam a tragédia de Chernobyl, os venenos de Fukushima, os horrores do World Trade Center, o furor das águas nas ilhas Phuket Phiphi, os gritos na escola Columbine (agora no Realengo) e as preces dos cristãos, acompanhadas das orações de todos aqueles que cristãos não são, mas que acreditam em Deus e no demônio. É lembrar que o Arcanjo Micael venceu Lúcifer, mandando-o às profundezas. O desentendimento continua. E la nave va.

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