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O primo, o acórdão e a revista

Roberto Delmanto

O primo em terceiro grau era queridíssimo. Simpático, espirituoso, de alto astral, solidário, estava sempre presente nos momentos alegres e tristes. No Natal alugava um “Ford-bigode”, vestia-se de Papai Noel e visitava todas as crianças da família.

Formou-se em Direito no Largo de São Francisco, sem maior brilho, mas cercado da estima geral. No 5º ano teve um incidente, ao ser surpreendido fazendo certa prova no lugar de um colega em dificuldades. Suspenso por um ano, somente veio a formar-se na turma seguinte, onde também só grangeou amigos. Resultado: passou a comemorar a formatura anualmente, duas vezes, com ambas as turmas.

Na época o ingresso na OAB era automático e o primo, recém-formado, entrou para uma grande multinacional. Nesta, graças às suas qualidades pessoais, após sucessivas promoções, chegou a chefe do departamento jurídico. Jamais teve, contudo, qualquer experiência na advocacia contenciosa; sua especialidade residia na elaboração de contratos, cujos modelos vinham da matriz e aqui eram adequados à nossa legislação.

Em certa ocasião, insatisfeito com o salário recebido, aproveitando-se da chegada de um novo presidente vindo do exterior, resolveu dar-lhe um ultimato: ou lhe concedia um aumento ou se demitia. Para sua surpresa, a demissão foi aceita, tendo ele acabado por fazer um acordo trabalhista.

Com a indenização recebida, alugou um bom escritório, mobiliou-o finamente e resolveu advogar por conta própria.

Só que, como costuma acontecer com aqueles que mudam de área, os clientes não apareciam. A primeira causa a surgir, depois de um bom tempo, foi criminal, especialidade da qual ele nada, absolutamente nada, entendia.

A solução foi telefonar para o primo Celso, meu irmão, que além de orientá-lo, ficou de enviar-lhe alguns julgados que amparassem a sua defesa.

Naqueles tempos não havia xerox, nem fax, muito menos e-mail, e meu irmão, após mandar a secretária copiar alguns acórdãos da Revista dos Tribunais, a famosa R.T., já naquela época o mais tradicional repertório de jurisprudência do país, os enviou por portador.

No dia seguinte, o primo telefonou-lhe entusiasmado: “os acórdãos são fabulosos. Servem como uma luva para o meu caso. Mas me explica apenas uma coisa: o que que é isso que aparece sempre no final dos acórdãos, esse tal de R.T.”?

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